A ponte “Deputado Darcy Castello de Mendonça”, ou Terceira Ponte, era um antigo sonho dos moradores de Vitória e de Vila Velha. O radialista e deputado estadual, Castello Mendonça, nos anos 1970, celebrizou-se por defender a construção em seu programa diário de rádio, motivo pelo qual seu nome foi escolhido para batizar a obra, concluída em agosto de 1989, no final do governo Max Mauro.
Desde sua inauguração até dezembro de 2023, o trânsito na ponte era cobrado mediante pedágio, primeiro pago à empresa que concluiu as obras, a Odebrecht, posteriormente, à concessionária Rodosol durante 25 anos. No período final do contrato veio a decisão do governo estadual de não renovar a concessão e de assumir a gestão do sistema viário que envolve a ponte e a Rodovia do Sol, no trecho entre Vila Velha e Guarapari, abolindo a cobrança do pedágio.
A decisão do governador Renato Casagrande (PSB) foi polêmica, tachada como correta por alguns e populista por outros. Mas, de qualquer forma, passou a valer a partir do final de 2023. Permaneciam, entretanto, como lembrança de todo o passado, as cabines de pedágio em Vitória e na Praia do Sol, que agora começam a ser demolidas.
Quando o aterro de toda a área da Enseada do Suá incorporou à Vitória um novo território conquistado do mar, em meados da década de 1970, a ideia de construção de uma nova via ligando a capital a Vila Velha ganhou força e condições próprias para sua materialização. O Espírito Santo era governado por Élcio Álvares, cuja administração foi marcada por uma dinâmica de ampliação e aperfeiçoamento da infraestrutura, de forma a permitir que o Estado, especialmente a nascente Região Metropolitana, suportasse os impactos das grandes plantas industriais que estavam sendo implementadas, e mudariam o perfil de nossa economia.
Álvares, muito ligado ao presidente de então, o general Ernesto Geisel, planejou e conseguiu os recursos financeiros para iniciar as obras da tão sonhada ponte ligando a área norte de Vitória à Praia da Costa, em Vila Velha. É preciso resgatar que a década de 1970 foi, também, o período em que Vitória teve concluídas as obras de sua segunda ligação, na área sul, ao continente, com a conclusão da segunda ponte, cujo projeto original terminava no bairro de Jardim América, em Cariacica.
A crise econômica da dívida externa, que afligiu o Brasil no período, paralisou as obras ao final do governo de Álvares, em 1979. O Estado não tinha recursos para tocar o empreendimento e nem a União se dispunha a gastar em uma obra custosa. Foram anos de uma paisagem tomada por canteiros abandonados e estruturas inconclusas, na terra e no mar.
Mas a região crescia, e logo, no início dos anos 1980, cresciam as pressões para que se retomasse a construção. O volume de tráfego colapsou na região central de Vitória, única via de acesso para o Sul do Estado. Os interesses das incorporadoras imobiliárias viam na Enseada do Suá e na orla de Vila Velha áreas privilegiadas para a expansão de seus negócios.
O governador Eurico Rezende, sucessor de Élcio, tentou reiniciar as obras, mas não havia condições econômicas do governo federal bancá-las. O Brasil estava quebrado. O sucessor de Eurico, Gerson Camata (PMDB), o primeiro governador eleito pelo voto direto desde 1962, também tentou, mas a crise financeira brasileira continuava a obstaculizar o desejo.
Com a obra parada, as áreas em Vitória e em Vila Velha que deveriam servir para a construção de vias de acesso e saída da ponte, como viadutos e elevados, foram sendo vendidas às incorporadoras, estrangulando a futura ponte que permanecia como um navio encalhado. Esse processo desordenado de ocupação territorial é bastante exemplificador da falta de planejamento urbano da Região Metropolitana, sempre vítima de ações públicas improvisadas e ineficientes.
É fundamental observar que toda a área do aterro da Enseada do Suá, em Vitória, era propriedade do governo estadual, através da Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano S/A (COMDUSA), um misto de imobiliária e de prestadora de serviços criada ainda no início dos anos 1970, que chegou a implantar e a explorar a primeira versão do sistema aquaviário.
Foi a partir de 1987, com a posse do governador Max Mauro (PMDB), ex-Prefeito de Vila Velha, que as negociações para a retomada das obras ganharam impulso, numa direção oposta às tentativas anteriores. Numa arquitetura financeira criada pelo então Secretário da Fazenda, José Teófilo de Oliveira, o Estado propôs que a empresa vencedora da licitação fosse remunerada pelos seus custos com a cobrança do pedágio. Dessa forma, a Odebrecht concluiu a construção em agosto de 1989.
A cobrança desse pedágio foi criticada por muitos desde o início, mas foi mantida até dezembro de 2023, quando foi extinta. O governador Renato Casagrande anunciou, à época, que as cabines de cobrança seriam demolidas, o que esta semana começou a ocorrer. É um ato simbólico, haja vista que outro governador, no futuro, poderia apresentar novo projeto para recriar a cobrança.
Mas Casagrande quer deixar sua marca na história a do governador que acabou com o pedágio tão criticado pela população. A demolição das cabines, em Vitória e na Praia do Sol, simbolicamente tem o condão de demonstrar que ele alterou a história como se fosse um evento revolucionário. Toda revolução tem seus símbolos eternizados, como a destruição da prisão da Bastilha em Paris, em 1789, que marca o início da Revolução Francesa.
Nas jornadas de 2013, o fim do pedágio da ponte era uma das reivindicações daquela massa difusa que tomava as ruas, sempre reprimidas pela polícia militar, no primeiro governo de Casagrande.
Dez anos depois, o governador que reprimiu as massas que pediam, também, o fim do pedágio, decide, por si só, acabar com ele. Alega que o Estado vive uma situação financeira estável e pode dar conta da manutenção e das obras de melhoria de todo o complexo viário. Aliás, essas obras já vinham sendo feitas pelo governo estadual desde o início, como forma de se evitar alterações no contrato de concessão com a Rodosol e o consequente aumento do valor do pedágio.
Casagrande derruba as cabines de cobrança, deixando sua marca para a história, numa fotografia que sonhou produzir e registrar. Não lhe importa o futuro de sua decisão, mas a impressão que essa deixa no imaginário do povo capixaba. A bastilha caiu, mas pode ser reconstruída por decisão política de um próximo governo. Mas isso é questão para o futuro, o que importa para a classe política são as glórias momentâneas do presente e os frutos que as mesmas podem dar.