No recente episódio no Centro de Ensino Médio 01 do Gama, Distrito Federal, uma professora enfrentou uma ameaça perturbadora após uma aula de redação. A mãe de uma aluna acusou-a de tentativa de “doutrinação”, ameaçando “esfregar o celular na cara” da educadora por corrigir a redação de sua filha, que criticava o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, dizendo que este tinha sido o responsável por “acabar com as leis do país”. Esse confronto destaca o impacto profundo das redes sociais na percepção da realidade.
A contenda iniciou-se quando a professora explicou que o juiz não poderia “acabar com leis”, dando uma breve aula sobre a separação de poderes, um princípio fundamental nas democracias modernas, e a competência do judiciário de aplicar e interpretar leis conforme a Constituição. No entanto, a reação da mãe revela uma desconexão alarmante entre os fatos e as convicções moldadas nas redes sociais.
Neste caso, a mãe da aluna exemplifica uma tendência crescente entre muitos usuários de redes sociais: a formação de uma realidade paralela, onde os fatos são substituídos por informações distorcidas ou descontextualizadas. As plataformas digitais, equipadas com algoritmos poderosos, desempenham um papel crucial nesse processo. Elas conhecem as preferências dos usuários com uma precisão assustadora, promovendo um ciclo constante de conteúdo que reforça as mesmas crenças preexistentes, criando as “câmaras de eco” que isolam seus usuários de informações contrárias.
Curiosamente, o caso da ameaça feita pela mãe de uma aluna em uma escola no DF, reflete vividamente o Mito da Caverna de Platão, adaptado para a era digital. Nas sombras projetadas nas paredes de uma caverna, Platão visualizou a limitada realidade percebida pelos prisioneiros acorrentados. Hoje, essas sombras são transpostas para as telas de nossos dispositivos móveis, onde algoritmos criam uma realidade distorcida que muitos aceitam como verdade.
No mito, um prisioneiro se liberta e descobre um mundo além das sombras, enfrentando a luz do sol, que inicialmente causa dor e desconforto. Analogamente, indivíduos que rompem com as correntes algorítmicas das redes sociais enfrentam um processo similar de desconforto e desafio. A verdadeira realidade, ao contrário das versões filtradas e polarizadas servidas pelos feeds de notícias, pode ser dolorosa e desconcertante. Ao se depararem com uma verdade mais complexa e menos confirmatória de suas crenças, essas pessoas experimentam uma crise, pois reconhecer essa verdade implica abandonar uma parte da própria identidade que foi moldada e solidificada por essas narrativas persistentes.
Platão também descreve o retorno do prisioneiro à caverna, onde ele tenta convencer os outros da verdade do mundo exterior, apenas para ser recebido com hostilidade e incredulidade. De maneira similar, os que tentam apresentar perspectivas fundamentadas em fatos muitas vezes enfrentam resistência, até mesmo hostilidade, daqueles ainda “acorrentados”. No incidente relatado, a professora, como o prisioneiro liberto, enfrenta a hostilidade ao tentar desafiar as noções pré-concebidas da mãe da aluna, apenas para ser ameaçada com as mesmas “sombras” que distorcem a compreensão da mãe sobre a lei e a governança.
Este episódio ressalta uma urgente chamada para reflexão sobre o papel das redes sociais e da educação em nossa sociedade. À medida que avançamos mais profundamente na era digital, é imperativo que tanto educadores quanto legisladores se engajem ativamente na promoção de uma alfabetização digital que vá além do simples uso de tecnologia e adentre na crítica de sua influência sobre nossas percepções e interações. Essa educação digital deve ser dirigida a todos, dentro e fora dos muros escolares.
Além disso, a regulação das plataformas é medida urgentíssima para assegurar que não se perpetuem desinformações que moldam falsas percepções da realidade. A implementação de políticas que promovam transparência nos algoritmos, responsabilidade tantos das plataformas como dos indivíduos pelo compartilhamento de conteúdos e a validação de informações são essenciais para mitigar os efeitos das câmaras de eco. Além disso, é fundamental que haja um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção contra a disseminação de conteúdos falsos ou manipulados que podem prejudicar o bem-estar social e político.
Assim, o caso mencionado evidencia a tensão entre a realidade e a percepção moldada pelas redes sociais, e reitera a necessidade de uma educação que prepare indivíduos para questionar, analisar e entender o mundo complexo em que vivem. Não podemos permitir que as “cavernas” digitais do século XXI limitem nosso entendimento do mundo a sombras na parede. Em vez disso, devemos equipar todos, jovens e adultos, com as ferramentas necessárias para sair dessas cavernas, enfrentar a luz da verdade e, com coragem, levar essa luz de volta para iluminar o caminho dos outros.