Ser evangélico não significa ser “de direita”. No entanto, quando olhamos para o perfil dos candidatos deste segmento nas eleições municipais deste ano, no Espírito Santo, é notório que, pelo menos a maioria que almeja entrar para a política se sente representada por partidos mais à direita do espectro ideológico. De acordo com os dados abertos divulgados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo menos 119 dos 9.996 candidatos no Estado são evangélicos, sendo que uma parcela inferior a 15% concorre no pleito eleitoral por partidos mais à esquerda ou de centro.
Essa seleção foi feita a partir de um filtro com o uso das palavras “pastor”, “pastora”, “missionário”, “missionária”, “bispo”, “bispa”, “irmã”, “irmão”, “reverendo”, “reverenda” e “sacerdote”. Na maioria dos casos, esses vocábulos estão registrados no próprio nome de urna ou no campo em que está indicada a profissão do candidato.
Os partidos que agregam o maior número de candidatos são o Democracia Cristã (DC), com 11; o Partido Liberal (PL), com 15; o Progressistas (PP), com 12, e o Republicanos, com 15. Ao visitar as redes sociais de alguns deles, fica explícita também a sua posição quanto aos valores cristãos na política e o apoio a Jair Bolsonaro. No perfil do candidato a prefeito de São Mateus Nilis Castberg (PL), há diversas menções a Bolsonaro, inclusive, os dois participaram juntos de alguns eventos no município pelo partido. Seu slogan de campanha é “Deus, pátria, família e liberdade: por uma São Mateus livre para prosperar” e, em muitos de seus vídeos, reforça que os princípios bíblicos guiarão a sua gestão, caso seja eleito.
O pastor Rodrigo Pires (DC), candidato a vereador da cidade de Santa Maria de Jetibá, afirmou em uma publicação no seu perfil do Instagram que está em defesa da “família de qualidade”, junto a uma foto com a esposa e os dois filhos. No mesmo post, ele escreveu que tem como objetivo lutar pelos valores cristãos, pois estes seriam o fundamento para um futuro melhor. Conhecendo a bandeira da família que é levantada pela maioria dos evangélicos, dá para intuir que ele se recusa a reconhecer outras formas de composição familiar que estão para além do contexto bíblico, discriminando, portanto, quaisquer outras que não se enquadrem nos preceitos do Deus cristão.
Há também aqueles assumidamente bolsonaristas, como é o caso do pastor Dinho Souza (PL), candidato a vereador da Serra. Em seu perfil na rede social, ele se autodenomina “conservador” e, conforme a descrição em seu site, é o homem “que tem a bíblia em uma mão e a constituição na outra”. Ao visitar a sua página na web, dá para perceber o seu trânsito no cenário nacional. Ele aparece em fotos com os mais conhecidos da família Bolsonaro (Jair, Eduardo e Michelle), apresentando-se como o candidato do ex-presidente. O deputado federal Nikolas Ferreira é um de seus apoiadores e até o desembargador Sebastião Coelho deixou para ele um depoimento público: “O pastor Dinho já deu grande demonstração de como Deus o usa na obra cristã e agora Deus o chama para essa nova missão, porque ser representante do povo é uma missão dada por Deus”. No seu slogan de campanha, ele compara as eleições a uma guerra, fazendo alusão ao patriotismo, dizendo aos serranos “verás que um filho teu não foge à luta”, utilizando um trecho do hino nacional.
Ao visitar os perfis dos candidatos evangélicos nas eleições municipais capixabas, observei que poucos apresentam propostas para as áreas prioritárias, como saúde, educação e segurança pública. A maior parcela deles utiliza a identidade religiosa como sinônimo de justiça e honestidade e a defesa da família tradicional como sua principal bandeira. Grande parte dos filiados aos partidos mais à direita elegeu o ex-presidente Bolsonaro como o representante de seus ideais políticos, como se este fosse o grande guardião dos princípios cristãos. Quando analiso a atuação dos evangélicos na política, não vejo problema no fato de o candidato ter qualquer filiação religiosa, mas sim na forma como a religião vem sendo instrumentalizada para conquistar votos. A pauta da moral e dos costumes sequestrou as questões fundamentais que deveriam ser o alvo dos debates políticos e o mote das campanhas. Ter um representante no governo que lute por uma “família de qualidade” parece ter um peso maior na hora de decidir o voto do que ter alguém para garantir uma escola ou hospital com infraestrutura suficiente para oferecer um bom atendimento à população.
É claro que não dá para generalizar, mas a realidade é que os evangélicos progressistas não estão representados na corrida eleitoral no Espírito Santo. Seria esse quadro reflexo de um estado onde a maioria dos evangélicos é conservadora ou o retrato de um segmento religioso em que a ala progressista não deseja ingressar na política? A resposta a essa pergunta ainda é uma incógnita, só uma pesquisa mais robusta poderia nos dizer. Mas a minha percepção, a partir de um olhar para o próprio cenário nacional, é que, embora os evangélicos sejam plurais, os mais bem representados na cena política são os que se posicionam mais à direita. Mesmo que a esquerda esteja se mobilizando para lançar seus candidatos e conquistar o eleitorado evangélico, esse movimento já vem sendo feito pelos conservadores há muito tempo. E pelo cenário que se desenha no pleito municipal capixaba deste ano, se tivermos evangélicos eleitos, provavelmente não estarão entre os candidatos filiados aos partidos progressistas e moderados.