Quando penso nas relações entre comunicação e política no contexto atual, com as campanhas eleitorais de 2024 a todo vapor, é quase irresistível comentar o fato mais quente do momento: a candidatura de Pablo Marçal (PRTB) para a prefeitura de São Paulo. Sua campanha tem sido marcada por polêmicas, baixarias, desrespeito às leis eleitorais, processos jurídicos e questionamentos sobre a legalidade da candidatura do empresário, chamado por alguns de coach – profissão que ele renega, mas que chega a ser um termo carinhoso perto do que seus detratores, alguns até ontem aliados, o chamam. Esse é um ponto de partida interessante para analisarmos a influência das redes sociais e dos influencers no processo político.
Influencer é a profissão mais cobiçada dos últimos anos: pessoas de diversos extratos sociais produzem e compartilham conteúdos nas redes sociais para captar seguidores, curtidas e compartilhamentos. No nosso mundo hiper conectado e ultra estimulado do capitalismo tardio ser influencer é ser visto, ouvido e admirado pelas massas. São médicos explicando seus ofícios, atletas mostrando suas façanhas e deputados fazendo dancinhas, tudo em benefício do engajamento. Marçal, que vende cursos, mentorias, aulas, palestras e coisas etéreas, como “experiências”, há mais de uma década se insere nesse contexto como um dos influencers brasileiros que obteve sucesso na exploração do engajamento de seu público, mas o que exatamente está sendo vendido ali?
A “economia da atenção” é nada mais do que a desigualdade crescente entre o número de usuários e a quantidade de conteúdos disponíveis em um mundo que funciona 24/7 – dia e noite, todos os dias, num ritmo frenético. Não há espaço para todo mundo brilhar nesse ambiente saturado, então a arquitetura das redes favorece conteúdos que quebram a monotonia dos feeds, criando um ciclo onde um conteúdo engaja porque é entregue e é entregue porque engaja. Óbvio que não é assim na realidade. Esse sistema favorece quem paga pelos impulsionamentos oferecidos pelas plataformas e usa estratégias para enganar algoritmos com contas falsas. Essa última estratégia é já uma velha conhecida dos nossos processos eleitorais, o principal vetor da desinformação.
Por mera coincidência, os maiores beneficiários desse tipo de conteúdo na política nacional dividem o campo de Pablo Marçal. Esse fenômeno tem sido visto e estudado no mundo inteiro, de Trump a Modi, passando por Bolsonaro e Milei, grupos políticos reacionários, ufanistas e todo tipo de pensamentos retrógrados são impulsionados nas redes e até pelas redes. Os recentes desdobramentos envolvendo o falecido site de microblogging anteriormente conhecido como Twitter demonstram que existem mãos poderosas nas costas desse desfile de homens com ideias totalmente novas e disruptivas que cheiram a naftalina.
Os influencers entraram no marketing político desde o começo, tanto que alguns pesquisadores do tema recuperam o conceito “líderes de opinião”. Esse termo dos anos 1940 descreve indivíduos que influenciam votos em suas comunidades, fazendo o papel intermediário entre as mensagens dos candidatos e as pessoas em seu convívio, de forma semelhante à que os influencers promovem seus produtos. Importante dizer que essa vitrine digital é utilizada por todo espectro político, mas é absolutamente inegável que a extrema-direita é quem fez e faz melhor uso dessa ferramenta também. Outra coincidência ou só um desdobramento lógico do viés dessas redes?
O fato novo da candidatura de Pablo Marçal seria que o influencer se torna o próprio produto na campanha política. Com milhões de seguidores, Marçal “representa a colonização da política pela economia da atenção”, segundo João Cezar de Castro, professor da UERJ. Castro vê Marçal como um fenômeno distinto do ex-presidente Jair Bolsonaro por que o primeiro já é seu próprio produto há décadas, apertando os botões e puxando as alavancas certas para agora tentar converter esse capital social em votos, a moeda mais valiosa da política.
Eu discordo humildemente dessa leitura em um único ponto, que é talvez o mais crucial. Toda essa arquitetura das redes, essa dinâmica dos influencers, a chamada economia da atenção, tudo isso é cravejado de escolhas políticas. A lógica do capitalismo tardio, o eterno atualizar de feeds, é alimentada e reforçada por todos nós que diariamente comungamos das redes, consumindo e fazendo girar essa máquina. De tanta repetição, acabamos vendo fenômenos cada vez menos originais, simulacros de simulacros. Marçal não representa colonização alguma.
A retórica do outsider e do anti-establishment, por sua vez, está no nosso repertório político há décadas e já fez seus filhos feios inclusive. A entrada de comunicadores nas disputas não é novidade também. Lembram da candidatura de Sílvio Santos nas eleições de 1989, primeira eleição após a redemocratização? Também foi logo depois da derrocada de um governo militar falido e foi uma candidatura com um leve viés à direita raivosa, oriunda do regime. Coincidências ou cópias de cópias?