“Vão taxar as blusinhas! Socorro!” Bradam alguns incautos e desesperados com a aprovação, no Senado, da taxação de produtos internacionais que custem até US$50,00 (cerca de R$ 255). A taxação de 20% pode sim encarecer produtos como blusinhas, mas será que é só isso que está em jogo? Temos uma indústria nacional que vem cambaleando, temos um PIB que cresce, mas desacelera, ou seja, cresce devagar, muito baseado no agro, que emprega pouco… Taxar produtos estrangeiros para fortalecer o mercado nacional é mesmo uma saída tão ruim?
A Vírgula conversou com especialistas para entender um pouco como isso pode funcionar e que impacto isso pode ter na nossa vida. De começo, precisamos lembrar que 50 dólares e 50 reais não são a mesma coisa, como muito da propaganda anti-imposto-internacional faz parecer. Pela legislação atual, produtos importados abaixo de US$ 50 (cerca de R$ 255) são isentos de imposto de importação.
O projeto debatido e aprovado no Senado não tratava especificamente de taxação, mas sim de incentivos financeiros e redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de veículos com menor emissão de gases do efeito estufa. O relator do projeto na Câmara dos Deputados, deputado Átila Lira (PP-PI), incluiu a taxação de 20% de imposto sobre essas compras internacionais.
Essa prática de incluir um assunto diferente do original do projeto em discussão no parlamento é chamada de jabuti, em referência a uma famosa anedota: quando um jabuti está numa árvore, significa que alguém o colocou lá. Essa anedota é utilizada para contextos em que assuntos estranhos são colocados juntos, no caso, o artigo que taxa as blusinhas concomitantemente ao projeto sobre redução do IPI para incentivar pesquisa.
Parece confuso. E justamente por isso é fácil colar a história de que o governo está querendo prejudicar as pessoas que podem querer comprar suas blusinhas chinesas. Para o professor de história da Ufes e cientista político Ueber José de Oliveira, a questão é proteger o mercado e os produtores internos. “A indústria nacional, assim como o varejo, não tem condições de concorrer com as quinquilharias chinesas. Quinquilharia que hoje, sabemos, tem também qualidade. É uma medida, acima de tudo, protecionista. Os mercados nacionais mundo afora se protegem contra concorrência desleal ou desigual”, pontua o cientista político.
Ele ainda conceitua que “aqui no Brasil adotou-se essa maluquice ideológica, que alguns chamam de ciência, de achar que mercado se autorregula”. “O nome dessa maluquice ideológica é neoliberalismo”, diz Ueber. Ele entende que a taxação foi uma medida necessária e importante que contou com a compreensão dos parlamentares. “É preciso proteger a indústria e o varejo nacionais para gerar empregos e ao mesmo tempo melhorar a arrecadação”, avisa.
O economista Clóvis Vieira lembra que o assunto ainda está em discussão e vai voltar à Câmara, mas ainda assim está sendo colocado como mais uma medida impopular de Lula.
“Na verdade, esse jabuti, quando de sua aprovação pelo Senado, sofreu diversas alterações pelos representantes políticos. Na verdade, essa isenção vinha favorecendo empresas de vendas virtuais, Shopee e Shein, para venderem produtos por um valor abaixo do praticado no mercado”, explica.
Ele pensa de maneira parecida com o historiador, entendendo que o sentido da cobrança a ser estabelecida é trazer mais alento à indústria nacional e ao próprio comércio que seria favorecido com mais receitas de vendas. “Possivelmente o impacto para o governo não seja assim tão grande em termos arrecadatórios, mas traz benefícios inequívocos para a competitividade da economia local”, analisa.
O economista também projeta que o consumidor vai ter direito de escolha. “Com a taxação de 20% sobre o produto importado, além de menores preços, as compras locais trazem outros benefícios compensatórios como no caso de trocas e recebimento mais rápido. O impacto decisório varia de caso a caso, porém alguns produtos valerão a pena continuar comprando no exterior, mas outros serão mais vantajosos serem adquiridos do concorrente brasileiro”, observa Clóvis.
Clóvis ainda frisa que a isenção da tributação nas compras internacionais cria distorção no mercado e prejudica a indústria nacional que obrigatoriamente recolhe o imposto. Ueber de Oliveira, na mesma linha, também projeta que além dessa medida de taxar o varejo, é necessário investir na indústria de bens de capital para nos tornarmos menos dependentes de bens de capitais importados. O professor resgata que em 1986 a indústria nacional era 36% do PIB, e agora significa por volta de 11%.
Em análise publicada esta semana em A Vírgula, nossos economistas também frisaram a necessidade de estimular a empregabilidade em setores como indústria e comércio para o crescimento da economia. Será que está na hora de vestir a blusinha do Brasil?