O ex-presidente Jair Bolsonaro, depois da operação Tempus Veritatis, está receoso em relação ao seu futuro. Esse receio aumenta na medida em que antigos assessores e ministros vão depondo no inquérito que está sob a responsabilidade da Polícia Federal. O depoimento do ex-comandante do exército, general Freire Gomes e do ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior comprometeram ainda mais Bolsonaro em toda a trama.
A manifestação na avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro, foi um desses movimentos de Bolsonaro, atraindo milhares de pessoas e reforçando seus laços, estéticos e de pensamento, com os grupos católicos e neopentecostais. Agora, parte para o fortalecimento do PL, partido em que está filiado, buscando atrair para a legenda governadores, prefeitos e parlamentares eleitos com o seu apoio ou do amplo leque de forças políticas e sociais que o sustentam.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é um desses personagens, talvez, pela importância do cargo que ocupa. Bolsonaro quer que ele se filie ao PL, abandonando o Republicanos, um partido criado e dirigido pelos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a mais bem organizada das denominações neopentecostais do país. Seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro, já se prepara para mudar de legenda tão logo a legislação permita, assumindo o comando do PL na cidade.
Acuado, Bolsonaro opera uma estratégia de enfrentamento deletério de seus acusadores, auxiliado por todo o ecossistema que seu grupo político mantém vivo nas redes sociais. Eles operam essas redes com uma competência invejável, inspirados por todo o conhecimento acumulado em nível internacional pelos grupos dessa nova extrema-direita, que têm no estadunidense Steve Bannon um de seus maiores estrategistas.
O ex-presidente opera o fortalecimento do PL como a grande legenda de extrema-direita, estabelecendo com o partido laços umbilicais de identidade e de compromisso. O que não conseguiu fazer com o fracassado projeto de criação do partido Aliança pelo Brasil, vai fazendo com o PL, hoje o detentor da maior fatia dos fundos partidário e eleitoral em face da expressiva bancada eleita de deputados federais em 2022, a maior da Câmara.
Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro, foi alvo de duras críticas dos setores mais autênticos e radicais que seguem a liderança de Bolsonaro. Tarcísio é, de fato, um projeto político de Bolsonaro, que usou de sua considerável liderança para elegê-lo governador de São Paulo, onde sequer residia ou tinha domicílio eleitoral até antes de iniciada a pré-campanha em 2022.
O ex-presidente gosta de seu antigo ministro, também um ex-militar. Apostou nele como um projeto de futuro, alguém mais calmo, menos belicoso, mais palatável aos setores médios da sociedade. Alguém que, estando Bolsonaro inelegível, ou vitimado por algum outro problema, pode se apresentar ao país como herdeiro do antigo chefe e líder incontestável da extrema-direita. Para tanto, e para blindar seu pupilo, Bolsonaro deseja a mudança partidária. Lhe incomoda ver Tarcísio agindo de forma pragmática, republicana, como exige a liturgia do exercício do cargo de governador de Estado. Lhe incomoda ver Tarcísio trocando gentilezas com o presidente Lula (PT), seu inimigo político necessário para manter viva a mística de suas narrativas e a consequente polarização cristalizada.
Resta saber como se comportarão os setores da elite política paulista, especialmente o poderoso secretário de Governo, Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, diante da mudança de sigla do governador. E como se comportará a IURD, à qual está ligado o Republicanos. Até o momento, o governador de São Paulo vinha se equilibrando com competência entre o pragmatismo político e o extremismo da direita. Agora, uma vez no PL, estará com menos margem para as manobras políticas e administrativas necessárias para a governança do maior Estado da federação.
É sempre bom lembrar que o eleitorado de São Paulo tem uma paixão crônica por gestores conservadores de direita, como Paulo Maluf, Ademar de Barros e Jânio Quadros. O malufismo, enquanto expressão do conservadorismo, é uma força política ainda considerável no Estado e na capital, apesar dos 28 anos ininterruptos de governos do PSDB, iniciado com a primeira eleição de Mario Covas, em 1994. Os tucanos souberam levar para o seu campo esses grupos conservadores e usar de seu potencial ao seu favor. Agora, fora do poder, e em franco processo de enfraquecimento, o PSDB vai vendo ocorrer em São Paulo o mesmo fenômeno que o atingiu em plano nacional, a migração em massa de seu eleitorado do centro para a extrema-direita.
Ainda é cedo para mensurar os efeitos de toda essa movimentação partidária, mas Bolsonaro e seu núcleo político mais próximo, além do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, há muito definiram como prioritária a eleição de expressivas bancadas parlamentares e de chefias de Executivo municipal e estadual. Estão operando com competência essa estratégia, sob os escombros das antigas agremiações de centro e de centro-direita, cujo eleitorado foi capturado pelo extremismo de direita.