A neuropsicologia considera a vitimização como a causadora de sofrimento e dor. É um mecanismo que se assemelha à autoconiseração, parte do processo de negação estudado por Freud e que revela a face oculta do nosso cérebro ao não querer encarar os problemas cotidianos e admitir verdades óbvias. No ambiente político, a vitimização também causa dor… no outro, que se compadece; e é uma das táticas mais utilizadas no campo de guerra do marketing político.
Encarcerado pela Polícia Federal a pedido do STF, para sete dias depois ter revogada sua prisão pelos colegas deputados na Assembleia Legislativa, o Capitão Assumção é uma vítima. Não do processo jurídico nem do Estado de Direito. Muito menos vítima da Constituição, que o permitiu estar, agora, livre novamente. Não é vítima da esquerda e muito menos do ministro Alexandre de Moraes. Assumção é vítima de si mesmo.
A figura do mártir, submetida a suplícios pela recusa a renunciar a determinadas crenças, é o símbolo da lealdade. Estima-se que cerca de 70 milhões de cristãos tenham sido martirizados desde o nascimento de Jesus. Os mártires ajudaram a construir a História e dela se mantêm vivos até hoje.
A política também produziu seus padecentes. Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King, John Kennedy, Emiliano Zapata, Patrice Lumumba, Getúlio Vargas. Recentemente, a Justiça se equilibrou para não tornar Jair Bolsonaro um mártir em vida durante operação da Polícia Federal em sua casa e a um passo de ser preso, avaliou o jornal espanhol La Nación.
Para os atores políticos, a vitimização é um manjar dos deuses do Olimpo, onde a palavra “mártir” teve origem. O voto é produto das emoções. Paixão, ódio, choro, rancor, entusiasmo, raiva, medo, alegria, esperança, pertencimento, compaixão. São esses sentimentos que movem nossos corações e nos impelem a escolher este em detrimento daquele.
A curta prisão de Capitão Assumção, que já usava tornozeleira por determinação do mesmo ministro que o mandou prender, é uma ode ao discurso da perseguição, do acossamento e do vitimismo. É um convite para aqueles que se sentiram também injustiçados com a liberdade tolhida se reunirem em torno da figura vilipendiada por exercer sua própria soberania de direitos. “Hoje sou eu, amanhã pode ser você”, é o discurso implícito na boca daqueles que manifestam pela injustiça sofrida pelo deputado.
As vítimas estão entre os personagens principais das narrativas políticas. Para a entourage de Assumção, ele é uma vítima sistêmica que tem atribuída sua adversidade a uma força maior, superior: o próprio governo, as ordenações desenhadas em tese para beneficiar os outros ou, neste caso, a própria Corte Suprema.
Jean-Paul Sartre, defensor da liberdade irrestrita, definiu, de forma muita objetiva, o perfil da vítima detestável: “aquela que respeita seu carrasco”. Talvez Assumção tenha lido as obras do escritor francês, já que se encontra na trincheira das melhores vítimas, afinal sucumbiu às determinações do STF e foi recolhido à prisão. Esse pode ser, portanto, o seu salvo-conduto para a glória política.