O governador Renato Casagrande (PSB) finalmente apareceu na campanha eleitoral de 2024, e em grande estilo, apoiando a candidatura do prefeito de Cariacica e candidato à reeleição, Euclério Sampaio (MDB), na inauguração do comitê do candidato, um ato que reuniu centenas de pessoas. Casagrande nunca escondeu que Euclério e Arnaldo Borgo (Podemos) são dois candidatos que dese ver reeleitos, por serem aliados fiéis, por governarem, respectivamente, o terceiro e o segundo colégio eleitoral do Espírito Santo, e, em razão disso, receberem grandes repasses de recursos estaduais para obras e serviços.
Casagrande é personagem certo no palanque de Arnaldo, em Vila Velha, como o foi no de Euclério. Ele quer dar demonstrações inequívocas de sua opção ao eleitorado desses municípios, procurando, assim, fortalecer as candidaturas de seus aliados. Isso poderá gerar cobranças por parte de outros aliados importantes do governador, como o prefeito da Serra, Sérgio Vidigal (PDT) , que luta para emplacar seu candidato, Weverson Meirelles (PDT), ex-secretário de Turismo de Casagrande neste mandato, no segundo turno da eleição para a Prefeitura da Serra. No maior colégio eleitoral do Espírito Santo, Weverson amarga, segundo as últimas pesquisas, menos de dois dígitos de intenções de votos, apesar da grande aprovação de Vidigal, seu padrinho político.
Meireles enfrenta uma campanha dura, tendo como principais oponentes o ex-prefeito Audifax Barcelos (PP) e o deputado estadual Pablo Muribeca (Republicanos). Para Vidigal, tão importante quanto eleger Weverson seu sucessor, é manter-se como um player no cenário político estadual, condição hoje totalmente ligada ao sucesso eleitoral de seu candidato. Vidigal é aliado de primeira hora de Casagrande e, por certo, irá exigir do governador uma atenção especial a seu candidato, haja vista que os demais, Audifax e Muribeca, se colocam em um campo de oposição ao Palácio Anchieta.
Na medida em que Casagrande for se movimentando nos 78 Municípios, ou naqueles que optar por se movimentar, outros atritos poderão ocorrer no contexto do amplo e heterodoxo arco de forças políticas que o elegeu e garante sua governabilidade. O caso do Partido dos Trabalhadores é um dos mais exemplares. Apesar de exercer, pela quinta vez neste século, a presidência da República, o PT capixaba, que já governou o Estado e cidades importantes como Vitória, Cariacica, Colatina e Cachoeiro, optou por desempenhar um papel de ator coadjuvante de todo o jogo político estadual, subordinando-se ao projeto político da dupla Paulo Hartung (sem partido) e Renato Casagrande (PSB), que governam o Estado desde janeiro de 2003.
O último posto relevante ocupado por um quadro oriundo do partido, a vice-Governadoria, se deu no primeiro governo de Casagrande, entre 2011 e 2014, exercida por Givaldo Vieira, hoje filiado ao PSB. Nos quatro principais municípios da Grande Vitória, o PT possui candidatos a Prefeito, que disputam contra outros aliados de Casagrande, e a pressão do partido para que o governador assuma uma posição está se tornando crescente. Casagrande a desconsidera, pois analisa os números eleitorais, e observa o pouco capital eleitoral do PT na sequência histórica das últimas eleições, apesar de suas bancadas tanto na Câmara Federal, quanto na Assembleia Legislativa e no Senado. Nos municípios, o PT vem amargando uma lenta diminuição de suas representações parlamentares, além de não governar, hoje, nenhuma das 78 cidades capixabas. Há uma certa expectativa sobre como o partido reagirá aos movimentos de Casagrande nesse processo, especialmente em Vitória, onde o PSB apoia Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), dividindo votos com João Coser em um pleito bastante complexo.
Particularmente em Vitória, esperava-se que Casagrande assumisse uma posição firme contra a candidatura do atual prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos), seu notório desafeto. Ele próprio já sinalizou que, ao menos no primeiro turno, não o fará. As contradições de um campo tão amplo e heterodoxo de forças políticas aliadas a Casagrande, leva a que algumas delas, particularmente o PP, um partido de grande importância no cenário político, esteja participando diretamente da chapa do atual prefeito da capital e candidato à reeleição, tendo indicado a empresária Cris Samorini como vice. Racha na base do governador? Não, apenas uma acomodação de forças em razão da amplitude dessa base e de seu caráter mega plural em termos programáticos, o que eleva o pragmatismo à condição de uma regra pétrea seguida por todas as forças.
Em Vitória e Cariacica se travam os dois pleitos mais emblemáticos dessas eleições, sob o ponto de vista político. Em Cariacica, a ampla aliança em torno da reeleição do prefeito Euclério Sampaio (MDB), praticamente repete todo o arco de alianças que elegeu e que sustenta a governabilidade de Casagrande em seu terceiro mandato, exceto pela ausência do PT. A grande liderança petista do município, o ex-prefeito e deputado federal Helder Salomão é apontado como potencial candidato do partido ao governo em 2026, razão pela qual interessa às demais forças essa unidade em torno de Euclério, visando a derrota da candidatura da Professora Célia Tavares (PT), apoiada por Hélder. Esses interesses provocaram, inclusive, um racha na Federação Brasil da Esperança, com o PV e o PC do B, que a integram junto com o PT, anunciando publicamente o apoio a Euclério, contrariando os princípios legais que regem uma Federação Partidária.
Da mesma Cariacica, saiu outro personagem, também aliado de Casagrande, o deputado estadual Marcelo Santos (União Brasil), Presidente da Assembleia Legislativa, provável candidato ao governo em 2026, e que vem atuando com notória desenvoltura no apoio de candidaturas de diferentes partidos pelos 78 Municípios. Marcelo e o deputado federal Josias Da Vitória, presidente estadual do PP, parecem ter uma sólida associação de interesses, razão pela qual observa-se um jogo bem ensaiado entre ambos na maioria dos Municípios. Da Vitória, como Marcelo, também sonha com o Palácio Anchieta.
O atual governador sempre quis empurrar para a frente a questão da sua sucessão, só que está descobrindo que não tem o poder de parar a roda da história, muito menos as forças que a movem. Sua sucessão está na ordem do dia das campanhas, ainda que de forma velada. Além dos deputados Da Vitória, Hélder e Marcelo, também sonham com o governo os atuais prefeitos, e candidatos à reeleição, Arnaldo Borgo (Podemos) e Lorenzo Pazolini (Republicanos) – não à toa a escolha de seus vices foi objeto de tanta disputa e pressão de partidos e grupos econômicos, o vice-governador Ricardo Ferraço (MDB), o deputado federal Evair de Melo (PP) e alguém indicado pelo PL, comandado no Espírito Santo de forma quase despótica pelo Senador Magno Malta, preposto do ex-presidente Jair Bolsonaro. Por óbvio, surpresas poderão ocorrer, como agora em São Paulo com a candidatura de Pablo Marçal (PRTB), pois o populismo é sempre fértil em produzir, no campo da extrema-direita, personagens que imantam os sentimentos mais radicais e os traduzem na linguagem rasa de suas mensagens de fácil compreensão e apelo popular. Mas isso ainda, no caso capixaba, é uma mera especulação.
Nos Estados, governadores bem avaliados são, desde sempre, eleitores importantes nos pleitos eleitorais, disputados por todas as candidaturas de seu campo político. O capital eleitoral de Casagrande é consistente, o que o coloca nesse papel privilegiado, como Hartung foi outrora. O Governador tenta se movimentar de forma habilidosa entre seus aliados tão distintos, mas sabe que isso não se dará sem perdas ou arranhões em sua base de sustentação. Desde sua reeleição para o seu terceiro mandato, em 2022, o pragmatismo de Casagrande o tem levado a transitar com maior frequência pelo campo conservador, na expectativa de isolar a extrema-direita, e de se firmar como uma liderança política forte, acima de todas as forças políticas. É um cálculo político dos mais perigosos de ser operado e faltam a Casagrande, bem como à classe política capixaba, maturidade e condições objetivas para a concretização desse objetivo. Se esquecem que a conjuntura e o imaginário político estão em um estágio de polarização calcificada, e cada vez mais radicalizada. A política brasileira, há mais de uma década, deixou de se guiar pela razão e pela previsibilidade das relações estáveis entre as forças vivas. O que assistimos na cidade de São Paulo, com o terremoto provocado na extrema-direita pela candidatura de Pablo Marçal (PRTB), é um exemplo das transformações que a classe política vem passando nesta fase da imposição da “economia da atenção”, transposta das redes sociais para a vida real. Articulações bem construídas, alianças amplas e consolidadas se desfazem diante do fascínio da virulência do discurso radical, dos argumentos rasos e do populismo criminoso que atiça as emoções e o ecossistema de produção e difusão de narrativas pelas redes sociais.
A classe política capixaba, majoritariamente dominada por atores alinhados ao perfil do “Centrão”, se sente segura em operar em um cenário que acredita controlar de forma absoluta. Aparentemente, nada, até o momento, abala essa confiança de homens, mulheres e seus respectivos partidos. Mas as emoções populares são sempre um fator imprevisível, que fogem das regras e dos desejos pré-determinados. Em 2024, repetindo os pleitos anteriores, a classe política capixaba, como na Primeira República, dividiu entre si os municípios objeto de seu desejo, e trabalhou para consolidá-los como espaços seus. Suas divisões, via de regra, são mais cosméticas, fruto da multiplicidade e conflitos de projetos pessoais ainda não compatibilizados, do que programáticas. Não há grandes diferenças entre seus candidatos, sob o ponto de vista de propostas para o Espírito Santo e para os seus Municípios. Repetem a ladainha da governança com responsabilidade, nada acrescentando de novo em um cenário político estagnado, sem renovação de ideias há mais de duas décadas.
A pobreza das propostas e dos discursos da classe política capixaba se reflete na carência de um projeto consistente de desenvolvimento para o Espírito Santo, especialmente após as transformações a serem provocadas em razão da implementação da reforma tributária, já aprovada pelo Congresso Nacional. Nesse cenário raso de propostas, algumas lideranças, como os possíveis candidatos ao Palácio Anchieta já citados, e alguns candidatos a prefeito com larga experiência administrativa e política, como Theodorico Ferraço (PP), em Cachoeiro de Itapemirim, Enivaldo dos Anjos (PSB), em Barra de São Francisco, e Audifax Barcelos (PP), na Serra, além de poucos parlamentares federais, e o próprio Casagrande se apresentam como atores privilegiados, com condições de liderarem grupos ou frações políticas nos próximos anos. O ex-governador Paulo Hartung (sem partido), por opção própria, se mantém afastado da vida política, ao menos diretamente, não sendo possível aferir sua importância na definição de votos ou da vontade do eleitorado.
Renato Casagrande, ao se apresentar como cabo eleitoral de suas candidaturas, escolhidas de forma seletiva, deseja demarcar sua importância, colocando-se como um player fundamental de todo o jogo político estadual. O governador pretende transferir para suas candidaturas o capital político que conquistou ao longo de seus três mandatos à frente do governo estadual, e de seu notável portfólio de realizações administrativas, especialmente obras de infraestrutura. A oposição ao governador, até agora, se mostra bastante aquém da força que ele possui, mas pode crescer em razão do próprio jogo político e de prefeituras estratégicas que passem a dominar a partir de janeiro de 2025. O governo de Casagrande tem uma notória deficiência na articulação política, e isso pode lhe custar a perda de parte de seu capital, se não souber corrigir os rumos dessa operação. Sua candidatura ao Senado em 2026, tida como certa no mercado político, representará sua saída do Palácio Anchieta meses antes do fim efetivo do mandato, perdendo o PSB a sua principal liderança e a pessoa que, no manejo do aparato de Estado, robusteceu artificialmente o partido ao longo de seus mandatos.
Enquanto isso, fora do Palácio, as candidaturas se articulam, não em torno de projetos, mas de junção de interesses, como é próprio da dinâmica política brasileira. Isso leva à criação, frágil, de lideranças, cuja sustentação se fia, somente, nas realizações administrativas ou na capacidade de encantamento das massas radicalizadas. Estamos bem longe de termos um projeto consistente de transformação e de desenvolvimento para o Espírito Santo, pois nossa classe política mantem-se aferrada aos seus interesses paroquiais ou pessoais, desconhecendo a magnitudes das transformações por que passa o planeta.