Era questão de tempo: ter mais clareza sobre o fato de que o ministro Alexandre de Moraes passou dos limites em sua atuação, espremendo as linhas jurídicas para atingir objetivos contra quem o incomodava.
Não só a ele. Contra quem burla e burlou a democracia de forma autoritária nos últimos anos. Aqui não haverá defesa à rede de falsidade, agressividade e desumanidade do bolsonarismo (termo já um pouco cansativo para escrever). Fake News foram espalhadas; pessoas foram ameaçadas, inclusive Moraes; ilações demoníacas foram levantadas; patrimônio público foi vandalizado; e pessoas morreram por conta na negação na pandemia.
Depois de registrar tudo isso, é difícil dizer que Alexandre de Moraes não deveria ter passado do limite. Difícil, mas necessário. Porque a Justiça não pode pensar como Maquiavel, uma vez que ela deve preservar os meios para que os fins sejam, de fato, alcançados. Caso contrário, a Lava Jato está aí para provar o final desastroso.
É inegável que os diálogos obtidos pela Folha de S.Paulo são informações evidentes de que havia direcionamento do ministro contra personagens específicos.
As mensagens obtidas pela Folha foram trocadas entre Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), órgão que era subordinado a Moraes na Corte eleitoral.
Uma veiculação do jornal mostra que Tagliaferro recebeu um pedido de Airton Vieira para “levantar todas essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes”. “Xiii, não vai sobrar internet mais”, respondeu o chefe da Assessoria Especial, complementando com emojis de risadas.
Mas não para por aí. Como registra a Folha, Tagliaferro avisou que na revista Oeste encontrou apenas “publicações jornalísticas”, que “não estavam falando nada” e perguntou o que, então, ele deveria colocar no relatório. Vieira, com risada irônica (rsrsrs), orientou que o colega usasse a criatividade.
Usar a criatividade para desvirtuar a verdade, curiosamente, é a grande especialidade dos personagens que o gabinete de Moraes estava tentando atingir. A extrema-direita brasileira se tornou especialista nas redes sociais por incorporar uma linguagem extravagante, com headlines atrativas e a contação de histórias que dissimula a realidade para prender a atenção. Nada mais adequadamente digital do que isso.
A atuação política de Moraes já era óbvia no dia a dia. Mas agora ficou perigosa para a própria democracia.