A incursão de evangélicos na política nacional começou tímida. Alguns cristãos, sobretudo após a década de 1960, começaram a ser eleitos, mas não representavam um número expressivo a ponto de se constituírem em um bloco. A década de 80 pode ser considerada um marco histórico neste cenário, pois foi quando a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Assembleia de Deus (AD) começaram a lançar seus candidatos oficiais. Conforme afirmou Paul Freston, foi a época da erupção pentecostal.
No período da Constituinte, os deputados federais deste segmento religioso juntaram-se para defender os princípios cristãos frente aos movimentos que lutavam para garantir direitos de grupos minoritários, como mulheres e LGBTQIAPN+. Estava formada, portanto, a bancada evangélica, com 32 parlamentares, na legislatura de 1987-1991. Embora esses políticos se articulassem em prol de seus interesses, não se tratava de um grupo sistematicamente organizado e com um projeto político definido. Naquele momento já havia, sim, a idealização de que os evangélicos deveriam ocupar os espaços do legislativo quando a IURD e a AD começaram a preparar seus membros para a corrida eleitoral. Mas a construção de um projeto de poder começa a surgir com a criação da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE), em 2003.
Desde então, o que era apenas um agrupamento de evangélicos passou a se tornar uma Frente, com estatuto, finalidade, objetivos e ações a serem desenvolvidas. Uma dessas ações foi a implantação de frentes parlamentares nos 27 estados brasileiros. Em apenas 11 anos, a FPE já cumpriu 70% dessa meta: 19 assembleias legislativas já possuem uma bancada ou frente parlamentar evangélica. A mais recente delas é a da Bahia, que foi instalada em março deste ano. Apenas Alagoas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Tocantins ainda não instalaram uma frente evangélica. No caso do Mato Grosso do Sul, há uma observação relevante: esta assembleia legislativa possui uma frente parlamentar cristã em defesa da família e outra em defesa do conservadorismo.
Nas minhas pesquisas, levantei documentos que mostram como os deputados federais da FPE trabalhavam para apoiar a instalação destas frentes nos primeiros anos. Já em 2004, o Ceará foi o primeiro estado a receber a sessão solene de inauguração, que contou com a presença do deputado federal, na época, pastor Pedro Ribeiro. Na ocasião, ele disse: “O Ceará também se engajou nesta visão, procurando eleger prefeitos, vice-prefeitos e vereadores no Estado e envidar esforços para envolvê-los na defesa da família, da moral e dos bons costumes, além de influenciar as políticas públicas”. Dois dias depois, na instalação da frente evangélica em Minas Gerais, o parlamentar Isaías Silvestre chegou a dizer que a FPE era o “instrumento do Senhor para mudarmos o país”. Em apenas um ano, a bancada evangélica do Congresso Nacional inaugurou frentes em sete estados.
Conforme a história nos mostra, a cada ano, a união dos políticos evangélicos nos cenários nacional e estadual ganha um pouco mais de força e organização. Ainda não ampliei as minhas pesquisas para os municípios, mas alguns, como São Paulo e Natal, já possuem frente evangélica na câmara de vereadores. O projeto de hegemonia da FPE, que inclui outros atores, como já mencionei em textos anteriores, ganha dimensão e projeção política ao se desdobrar para os estados e municípios. Como cidadãos, os evangélicos também têm direitos de participar da vida pública, mas o problema é que eles querem tomar o Direito pela Lei de Deus. Ao observar os estatutos e regimentos dessas frentes, está bem claro o objetivo de “fiscalizar e criar leis baseadas nos princípios cristãos”. É uma atuação que bate frontalmente com a concepção de Estado Laico, mas esses parlamentares insistem em dizer que estão agindo em nome da liberdade religiosa.
O que eles estão fazendo, na verdade, é assumir literalmente o seu papel como “cristãos na posição de agentes incumbidos de consumar o projeto de nação elaborado por Deus”, segundo está escrito no livro Plano de Poder, do bispo Edir Macedo, lançado em 2008. Enquanto alguns elegem esses representantes evangélicos por medo da ameaça do comunismo e da destruição da família, eles vão se multiplicando, ocupando espaços e solidificando o seu projeto de poder. Aonde isso tudo vai parar, eu sinceramente não sei. Mas de uma coisa eu tenho certeza: não é por acaso que bancadas evangélicas ocupam em torno de 45% do Congresso Nacional e 70% do conjunto de 27 estados brasileiros. Quem nega a existência de um projeto, subestima a potência que existe na coexistência entre Estado e Religião.