Nas eleições contemporâneas, o absurdo parece ter se tornado uma estratégia eficaz para candidatos que buscam visibilidade. Em um cenário em que a informação é abundante e a atenção pública é disputada ferozmente, aqueles que se destacam pelo comportamento caricato, pelos discursos bizarros ou pelas promessas que beiram o impossível, conseguem capturar a imaginação do eleitorado. Esse fenômeno é, além de um reflexo da “má qualidade” do discurso político atual, uma consequência direta de como nossas interações foram moldadas pelas redes sociais.
Há tempos já passamos por diversas transformações sociais no campo político, mas uma questão tem se mantido constante: a performance é que dá a vitória ou a derrota a determinado candidato. É a capacidade dele de conversar diretamente com o eleitor, a sua desenvoltura nos “falecidos” comícios, o seu desempenho para capturar a atenção no debate, a quantidade de compartilhamentos nas redes sociais… tudo isso é performance.
A escolha dessa palavra não é por acaso. Performance tem a ver com o ato de performar, com o desempenho. Pode ser aplicado para falar de um atleta, mas também designa uma apresentação artística, um espetáculo. Em qualquer caso, é destinado ao entretenimento alheio. E não é isso que temos visto nas estratégias de posicionamento em todos que querem ser relevantes por aí?
As redes sociais, com seus algoritmos projetados para maximizar o engajamento, desempenham um papel crucial nesse processo. Eles são programados para identificar e promover conteúdos que gerem reações emocionais intensas, sejam elas de repulsa, ódio ou riso. Assim, quanto mais ridículo ou chocante for o conteúdo, maior a chance de ele se tornar viral.
O absurdo vira meme, motivo de piada, mas também de alavancagem para toda sorte de pessoas que, sem a audiência dessas redes, dificilmente conseguiria a atenção do público.
Aos poucos vamos nos acostumando com o ridículo, com o cômico, com o grotesco. Toda a percepção do real é manipulada por esse novo olhar. Nesse cenário, o absurdo, que antes seria motivo de rejeição, hoje se transforma em uma poderosa ferramenta de visibilidade. Candidatos que utilizam essa estratégia não precisam necessariamente apresentar propostas concretas ou discursos coerentes; basta que sejam capazes de gerar uma reação intensa, positiva ou negativa.
Exemplos reais não faltam por todo o mundo. Trump, Milei, Bolsonaro, Marçal… todos compartilham de um denominador comum: o nível de “nonsense” das falas e a viralização delas via redes sociais.
Outro fato não escapa: todos estão no espectro político da extrema-direita. Os últimos anos deixam claro que esse setor tem se servido muito melhor dessas plataformas do que o restante dos candidatos, especialmente os que têm um discurso moderado e mais racional, que não cola ou não reverbera justamente por causa da sua moderação. Não é cômico nem odioso. É normal demais.
Esse ambiente digital transforma o debate eleitoral em um espetáculo. A substância das discussões é ofuscada pelo show artístico – pela performance. O que deveria ser um espaço para a apresentação e debate de ideias – e ideais – se torna uma competição por cliques, compartilhamentos e likes.
O meme, forma moderna de condensar ideias em imagens e frases curtas, surge como o veículo perfeito para espalhar o absurdo. Ele sintetiza o que há de mais exagerado ou bizarro em um candidato e o transforma em algo fácil de compartilhar e consumir. Ele amplifica e perpetua o ridículo, tornando-o parte central do debate público.
Essa dinâmica pode ser entendida à luz da teoria da sociedade do espetáculo de Guy Debord. Para Debord, o espetáculo não é apenas um conjunto de imagens, mas uma relação social mediada por essas imagens. Em nossa sociedade, onde o consumo e o entretenimento dominam, essa forma de interação se torna central. No contexto das eleições, essa lógica se intensifica. O candidato que mais entretém, mesmo que de forma negativa, tende a dominar a atenção pública. O que deveria ser um momento de reflexão e escolha consciente, acaba se transformando em um grande show, onde o que importa é o espetáculo e nada mais.
Contudo, essa transformação do debate eleitoral tem um custo alto. Quando o absurdo domina a discussão, o eleitor é inundado por uma avalanche de ruídos, e o que menos importa nessa cena é o conteúdo real das propostas. A política se desvia de sua função primordial, que é a de servir ao bem comum, e se torna uma disputa em que o vencedor não é necessariamente o mais preparado, mas sim o mais visto. O que está em jogo, portanto, é a própria essência da democracia.
O problema é que, ao transformar as eleições em um show de entretenimento, estamos, de certo modo, legitimando a superficialidade. A política, que deveria ser o campo das grandes discussões, das propostas que moldam o futuro de uma nação, torna-se refém de memes e frases de efeito. O resultado é um empobrecimento do debate público, onde o que se busca não é o melhor caminho para o coletivo, mas sim a vitória a qualquer custo, mesmo que ela venha à custa da própria democracia.
A questão que fica, então, é se esse espetáculo do absurdo não nos leva a uma forma de “antidemocracia”, que não é apenas a ausência de democracia, mas uma perversão de seus princípios. Ela mantém as aparências do processo democrático — eleições, campanhas, debates — mas esvazia seu conteúdo.
Assim, a escolha do eleitor é moldada menos por uma compreensão profunda das questões e mais por reações instintivas a estímulos visuais e emocionais. Nessa lógica, o voto deixa de ser uma expressão de vontade política e se torna um reflexo condicionado, uma resposta automática ao espetáculo que mais impressionou ou chocou.
Os cidadãos na “antidemocracia” acreditam que estão exercendo seu direito ao voto, que estão escolhendo seus representantes, quando na verdade estão sendo guiados por forças que pouco têm a ver com o bem comum. O algoritmo que seleciona o que vemos, o meme que nos faz rir, o discurso absurdo que nos indigna—tudo isso contribui para um cenário onde a verdadeira deliberação é substituída por reações impulsivas.
Essa “antidemocracia” não precisa de um ditador ou de um regime autoritário para florescer; ela se alimenta da superficialidade, do entretenimento, da redução da política a um mero jogo de aparências. E quando a política se torna irrelevante, quando o conteúdo é sacrificado em nome do espetáculo, a democracia perde sua substância, e o poder se desloca para aqueles que o controlam, e não para aqueles que deveriam servir ao povo.
Se não reconhecermos os perigos dessa forma degenerada, corremos o risco de ver a própria ideia de democracia se transformar em uma farsa, um ritual vazio onde a participação cidadã é reduzida a uma formalidade sem significado. E, nesse cenário, o absurdo é uma tática eleitoral e a expressão máxima de um sistema político que traiu seus próprios ideais.