O terceiro governo Lula (2023-2026) está ainda distante de conseguir unir o subcontinente sul-americano, como feito em suas duas primeiras administrações (2003-2010).
Desde a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, em 2016, está em curso, em nível mundial, uma forte organização de uma “Internacional de extrema-direita”, que tem na América do Sul alguns de seus personagens mais expressivos, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), e o atual presidente da Argentina, Javier Milei. Essa “Internacional” tem participado de forma ativa da vida política dos diversos países, com seus quadros disputando eleições e se elegendo em vários deles. A extrema-direita está se tornando um ator político proeminente em vários países do subcontinente. Os grupos políticos de esquerda, de centro-esquerda, de centro, de centro-direita e de direita não estão conseguindo barrar seu crescimento.
O atual presidente do Equador, Daniel Noboa, uma das maiores fortunas do país, está governando em regime de exceção, sob as vestes de uma luta contra o crime organizado e suas quadrilhas, mobilizando o imaginário nacional em defesa de seus interesses autocráticos e antidemocráticos. Recentemente, as forças de segurança do Equador invadiram a embaixada do México em Quito, capital do país, prendendo o ex-vice-presidente da República.
O presidente Noboa repete aquele que, hoje, vai se tornando uma referência para toda a extrema-direita, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele. Ele chefia um governo cuja grande agenda é o combate ao crime organizado, implementando uma legislação responsável pela prisão em massa de salvadorenhos e imigrantes. Bukele e sua política de super-encarceramento e de medidas de exceção vem manipulando as instituições e a democracia de forma a manter-se no poder por tempo indeterminado, a exemplo do antigo líder esquerdista Daniel Ortega, na Nicarágua, e do herdeiro do chavismo, Nicolás Maduro, na Venezuela. Apesar de governar um país da América Central, sacrificado por décadas de sangrenta guerra civil, Bukele está se tornando uma referência para a extrema-direita, exatamente por propor-se a implementar legislações e políticas voltadas para o combate àquilo que são apresentadas como organizações criminosas, valendo-se do estado de exceção para ampliar seus poderes autocráticos. É quase a realização plena, na América Latina, do democrata iliberal.
A conjuntura política sul-americana sofreu grandes transformações nesses treze anos que separam o fim do segundo governo Lula e o início do terceiro. Nesse período, cinco presidentes sul-americanos foram afastados em processos de desestabilização institucional: Fernando Lugo do Paraguai em 2012; Dilma Rousseff do Brasil em 2016; Evo Morales da Bolívia em 2018; Pedro Pablo Kuczynski no Peru em 2018; Martin Vizcarra no Peru em 2020; e Pedro Castillo no Peru em 2022.
Os países a serem visitados por Lula a partir desta semana, Chile, Colômbia e Bolívia, são governados, também, por políticos progressistas, de centro-esquerda e de esquerda. Lula busca uma aproximação com esses países, na tentativa de estabelecer bases sólidas para a integração e o desenvolvimento regional. Há diferenças entre eles, especialmente com Boric, um ator político que emergiu das lutas estudantis contra os governos de direita, Pinera e da concertación, Michele Bachelet, desde a década passada. Boric enquadra-se no perfil de uma esquerda identitária, pela qual foi eleito numa disputadíssima eleição contra o oponente, José Antonio Kast, um legítimo herdeiro da extrema-direita que apoiou a ditadura civil-militar chefiada pelo general Augusto Pinochet até 1990. Boric tem flexionado ao centro desde o início de seu governo, ciente da grandiosidade das forças políticas que a ele se opõe. O Chile é, entre todas as antigas ditaduras da América do Sul, o país que não concluiu a transição, estando sob os pactos e diretrizes da Constituição de 1980, outorgada pela ditadura. Em 2023, em plebiscito, o projeto de uma nova Constituição foi rejeitado pela maioria dos chilenos, mantendo a transição incompleta até hoje.
O Paraguai e o Uruguai, governados por políticos conservadores moderados, conseguem se manter a margem das grandes disputas ideológicas e das crises sistêmicas que estão assolando seus vizinhos. Ambos integram, com o Brasil, Argentina e a Venezuela, o Mercosul, a pioneira tentativa de criação de um bloco comercial entre os países da América do Sul, formalizado na primeira metade da década de 1990. Como estados associados do Mercosul figuram outras nações do subcontinente, como a Bolívia, o Chile, o Peru, a Colômbia, o Suriname, a Guiana e o Equador. Hoje seus governos são bem diferentes, em termos de ideologia e de visão regional, daqueles dos anos 2000.
Os tempos atuais conspiram contra iniciativas como as de Lula, de buscar a união das nações da América do Sul em torno de objetivos comuns. A radicalização trazida pela extrema-direita e por suas políticas neoliberais, torna as relações entre os países alvo de instabilidades constantes, como entre a Argentina, desde a posse de Milei, em dezembro de 2023 e o Brasil. Mas a diplomacia precisa ser exercida, o diálogo entre as nações precisa existir, especialmente quando as mesmas comungam de histórias, problemas e projetos de superação tão próximos, apesar de suas características particulares.