Philip Zimbardo, psicólogo social e professor emérito da Universidade Stanford, dedicou sua carreira a investigar como situações e ambientes específicos podem reconfigurar o comportamento humano, levando indivíduos comuns a realizar atos extremos e, por vezes, antiéticos.
Entre a prolífica produção bibliográfica de Zimbardo, este artigo destaca o livro “The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil” (O Efeito Lúcifer: Entendendo Como Pessoas Boas se Tornam Más). Nessa obra, o autor explora como pessoas comuns podem cometer atos de maldade sob certas circunstâncias, oferecendo uma análise minuciosa das forças situacionais e sistêmicas que podem avalizar comportamentos nefastos. Nessa direção, o livro revela como essas influências externas podem levar indivíduos a agir de maneira contrária às suas convicções e identidades pessoais, denominando esse fenômeno como “Efeito Lúcifer”.
São três as condições principais que propiciam a existência do “Efeito Lúcifer”, segundo Zimbardo: influência situacional, desindividuação e obediência cega.
A influência situacional enfatiza que fatores externos exercem um impacto mais significativo sobre o comportamento humano do que as características individuais. Esse conceito sugere que elementos como cultura, normas sociais e estruturas organizacionais desempenham um papel crucial na moldagem das ações dos indivíduos dentro de um determinado contexto.
Em ambientes corporativos, essas influências podem criar um terreno fértil para comportamentos antiéticos. Por exemplo, numa cultura organizacional que não imponha limites aos comportamentos sociais tóxicos e que não valorize um ambiente de trabalho saudável, a difamação e o assassinato de reputações tornam-se um meio viável para a ascensão hierárquica e para a obtenção de privilégios, mesmo que essas ações malignas conflitem com as crenças e valores pessoais dos envolvidos.
A desindividuação ocorre quando as pessoas perdem a consciência de sua identidade e de sua responsabilidade individual ao se integrarem a um grupo. Esse processo pode levar a comportamentos que, isoladamente, os indivíduos não adotariam. Em um ambiente corporativo, a desindividuação pode explicar por que algumas pessoas participam de ações de sabotagem do trabalho alheio, bem como, de outras práticas antiéticas sem sentirem remorso. O anonimato oferecido pela realização coletiva do ato antiético, resulta na diluição da responsabilidade individual, dificultando a correção desse tipo de comportamento maléfico.
A obediência cega refere-se à conformidade inabalável dos indivíduos em relação às ordens emanadas de uma autoridade, fato que pode levar a ações antiéticas. Esse fenômeno é relevante em culturas corporativas tóxicas, nas quais o argumento de autoridade, raramente, é desafiado e o questionamento é desencorajado. Em tais ambientes, os indivíduos costumam seguir ordens que conflitam com seus valores morais ou éticos, simplesmente, porque foram instruídos a fazê-lo por uma figura de autoridade, resultando em prejuízos tanto para a organização quanto para seus membros, bem como, revelando uma cultura de falta de integridade.
É dentro dessa perspectiva de compreensão sobre como o comportamento individual se reconfigura no convívio social que este artigo pretende oferecer uma possível resposta à seguinte questão: sob a ótica do “Efeito Lúcifer”, os conceitos de bandido, bando e banditismo podem ser adaptados ao ambiente corporativo para explicar comportamentos antiéticos?
Para nós, brasileiros, o termo “bandido” conceitua o indivíduo envolvido com atividades ilegais, mais especificamente, com a prática de crimes violentos, tais como, assalto, sequestro e homicídio. Uma versão plausível para a evolução etimológica do termo “bandido”, refere-se a uma trajetória que vai desde o conceito de ser banido ou proscrito, até a sua associação com a criminalidade e o comportamento fora da lei. Ao longo dessa trajetória, o significado de “bandido” percorreu uma transformação social e linguística, que se iniciou com os banimentos oficiais na Roma Antiga e chegou até a designação de criminosos violentos, nas sociedades modernas.
Bando é um termo versátil que descreve uma coleção de indivíduos, sejam eles animais ou humanos, que estão juntos por algum motivo, seja ele natural, social ou circunstancial. Para realizar a análise proposta por este artigo, importa que o termo bando pode, também, ser utilizado de maneira figurativa para indicar um grupo de indivíduos que se reúnem com o fim de realizar práticas criminosas. Nesse sentido, a relação entre os conceitos de “bandido” e “bando” é inerente a constituição de uma organização criminosa, visto que, embora um bandido possa atuar sozinho, ganha em eficácia e impacto, quando se junta a outros e formam um bando, criando uma força coletiva que pode ser mais perigosa e difícil de combater.
O banditismo, por sua vez, pode ser conceituado como um fenômeno social que envolve a prática sistemática de atividades ilícitas por indivíduos (bandidos), preferencialmente, organizado em grupos (bandos). No Brasil, possui uma história longa e complexa, enraizada nas condições sociais, econômicas e políticas do país. Esse fenômeno, que se manifesta de diversas formas ao longo tempo, pode ser dividido em várias fases e tipos, desde o cangaço, no sertão nordestino, até o crime organizado nas grandes cidades.
A obtenção de ganhos financeiros não é a única meta do Banditismo. Existem outros propósitos que podem ser enumerados: 1 – Dominância territorial por meio do controle sobre áreas geográficas específicas, com o fim de facilitar operações criminosas e proteger-se da intervenção policial; 2 – Influência Comunitária por meio da imposição de regras e controle sobre a população local; 3 – Obtenção de poder e prestígio por meio da construção de uma imagem de autoridade através do uso da força e da intimidação, tanto dentro do bando quanto na comunidade ao redor, tudo isso reforçado pela manutenção de uma hierarquia interna rígida, na qual os líderes exercem controle e garantem a lealdade dos membros dos escalões inferiores. 4 – Subversão da ordem social e legal por meio da negação e substituição cultural paulatina de todo ordenamento oficial vigente.
A partir da compreensão do “Efeito Lúcifer” e dos conceitos de bandido, bando e banditismo, é plausível investigar se esses conceitos podem ser adaptados ao contexto corporativo para explicar comportamentos antiéticos nas organizações.
No ambiente organizacional, um indivíduo que, persistentemente, comporte-se à margem da lei, provavelmente, será demitido. No entanto, há muitos relatos sobre pessoas que adotam práticas antiéticas para alcançar seus próprios objetivos dentro das empresas. Esses expedientes escroques podem incluir o estabelecimento de alianças secretas, disseminação de fofocas para prejudicar a reputação de desafetos, manutenção de sistemas de informação paralelos para obter vantagens ilegítimas e, em casos extremos, o uso de intimidação e assédio. Esses comportamentos são, frequentemente, descritos como o modus operandi dos “bandidos”, no ambiente corporativo.
Partindo de uma adaptação semelhante, o conceito de bando pode ser utilizado para caracterizar um grupo criado para ampliar o poder dos bandidos. O bando oferece escala e força ao comportamento antiético, oportunizando, além disso, mais coordenação às suas ações. Nesse sentido, facilita o estabelecimento do “Efeito Lúcifer”, sob o qual os indivíduos normalizam comportamentos antiéticos, justificando suas ações, como respostas a pressões externas que os levam a agir de determinada maneira. Dessa forma, o banditismo se constitui como um sistema de estabelecimento e distribuição de poder dentro do ambiente corporativo.
Com o tempo, o banditismo se torna mais sofisticado e cresce. Embora, inicialmente, se estabeleça na informalidade, à medida que membros do bando alcançam postos de liderança na organização, o banditismo, gradualmente, se torna o sistema vigente de governança corporativa. Portanto, sob essa perspectiva, a resposta à questão central deste artigo é sim. Sob a influência do “Efeito Lúcifer”, os conceitos de bandido, bando e banditismo podem ser adaptados para explicar a dinâmica das ações antiéticas praticadas por certos grupos de indivíduos dentro do ambiente corporativo.
Para concluir este artigo de forma menos sombria, é importante destacar que, tanto nos estudos de Zimbardo quanto nas contribuições de outros autores, são oferecidos antídotos contra o estabelecimento do “Efeito Lúcifer”, bem como, de outros conceitos nefastos que o acompanham.
Zimbardo sugere que as organizações podem prevenir comportamentos antiéticos por meio da promoção da cultura da transparência, responsabilidade e ética. Todo comportamento antiético deve ser trazido a luz e devidamente, dessa forma, é construído um alicerce cultural de confiança, a partir do qual se inicia um processo, paulatino, de melhoria do clima organizacional.
Outros autores, como Donna Boehme, Jeffrey Kaplan e Joseph Murphy, destacam a eficácia da aplicação do conceito de compliance para conter comportamentos antiéticos. Compliance envolve um conjunto de processos e práticas destinados a garantir que uma organização esteja em conformidade com todas as leis, regulamentos, políticas internas e padrões éticos relevantes. Nesse sentido, a atenção constante ao clima organizacional é essencial. Ambientes corporativos tóxicos são indicativos de problemas que requerem atenção imediata. Práticas antiéticas, sejam individuais ou coletivas, devem ser combatidas não apenas para proteger os trabalhadores, mas também para assegurar o alcance dos objetivos organizacionais.