O presidente da Argentina, Javier Milei, está no Brasil desde a noite do dia 6 de julho. Não se trata de visita oficial de um Chefe de Estado, mas, sim, uma agenda política, ao lado do ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL). Milei, um político de extrema-direita, participa em Balneário Camboriú (SC) de uma reunião da Conferência de Ação Política Conservadora (CEPAC). O curioso é que, ao mesmo tempo em que aquece o radicalismo de sua corrente política, os presidentes dos países integrantes do Mercosul, bloco econômico do qual a Argentina é membro, estão reunidos em Assunção, Paraguai.
Milei, de forma solene e afrontosa, meticulosamente, virou as costas para o bloco, desprezando o fato de que seu país vive uma crônica crise econômica que se arrasta por décadas. Seu governo, como havia prometido na campanha eleitoral em 2023, tem radicalizado na proposição e adoção de medidas drásticas que atingem diretamente os ganhos de toda a população, agravando as condições de vida do povo argentino, em nada melhorando os indicadores econômicos e apenas os tornando ainda mais preocupantes.
A CEPAC é considerada uma das mais fortes e bem financiadas articulações conservadoras em atividade no mundo, hoje tomada pelas forças de extrema-direita em franca ascensão no ocidente. Suas raízes remontam aos Estados Unidos, no ano de 1974, após a renúncia do ex-presidente Richard Nixon (1969-1974), um político filiado ao Partido Republicano, conservador e reacionário, mas pragmático no campo da política externa. Em torno da CEPAC, hoje, especialmente na América Latina, se reúnem as lideranças ascendentes da extrema-direita, que se ligam às agendas conservadoras e as utilizam como plataforma para aproximação com o eleitorado.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é a principal liderança do movimento no Brasil. Trata-se de uma máquina política para a promoção das agendas da extrema-direita, bem como para a agregação das forças que esse movimento possui dispersas, dando-lhes a devida unicidade na condução da luta ideológica que claramente se dispõe a travar em todos os países. É um casamento entre as agendas do fascismo histórico com o ideário neoliberal, razão pela qual consegue a extrema-direita agregar em torno de si a simpatia de setores expressivos do capital.
As duas grandes estrelas do evento de Balneário Camboriú, sem dúvida, são Bolsonaro e Milei, ícones da extrema-direita, detentores de respeitáveis capitais em votos, capazes de mobilizar as paixões de seus povos em torno de suas agendas.
Outras lideranças ascendentes também se fazem presentes na cidade litorânea de Santa Catarina, com destaque para o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos) que tem sido apresentado por setores da classe política, do capital financeiro especulativo e das mídias corporativas como um candidato “moderado” à presidência em 2026, como se pudesse livrar-se da forte e titânica influência que sobre si exerce Jair Bolsonaro.
A presença de Milei em Camboriú, e a consequente ausência em Assumção, causou mal-estar na diplomacia dos países do Mercosul, por ser não apenas incomum e descortês, mas pela reafirmação, no ato, de todo o desprezo que o argentino devota ao esforço de décadas para a integração regional sulamericana. Pior, Milei, ao longo da semana, retomou seus ataques pessoais ao presidente Lula, da mesma forma que fez na Espanha, onde esteve recentemente, também em visita de caráter não oficial, atacando a esposa do presidente de governo daquele país, o socialista Pedro Sánchez.
Milei, em ambos os casos, age como se fosse não o presidente de um país, que tivesse de seguir uma liturgia própria do cargo que ocupa, mas o líder de uma facção política desprovida da responsabilidade de governar milhões de pessoas em uma situação de crise. Acredita que o futuro da Argentina passa pelo fortalecimento de suas relações com os Estados Unidos, hoje uma economia em franco processo de crise, abrindo para o país todas as possibilidades de negócios, inclusive militar, com a autorização de uma base naval na região sul do país, perto do continente antártico.
Antes de sua posse, em dezembro de 2023, Milei já havia sinalizado suas diferenças com Lula, com o governo da China – principal parceiro econômico da Argentina, e com todas as lideranças que, segundo a gramática da extrema-direita, se situam entre os que definem como esquerda.
Milei quer impor à Argentina um choque neoliberal dos mais profundos. Seus aliados conservadores de direita nas eleições, liderados pelo ex-presidente Mauricio Macri, já começam a se afastar de seu governo, mantendo os postos no ministério, mas deixando claras uma série de críticas à condução dos negócios públicos e da agenda internacional do governo argentino. A ausência de Milei na reunião de Assunção, nesse sentido, é tida como a perda de uma oportunidade para o estreitamento da colaboração regional com as demais nações do bloco. Ele desprezou esse fato, optando por portar-se como um propagandista do radicalismo extremista de direita, trocando os interesses nacionais pelos de seu grupo político, com ramificações internacionais.
O jornalista Jamil Chade, em sua coluna no portal Uol do dia 6 de julho, trouxe a informação de que o governo brasileiro está acompanhando com atenção a presença de Milei no evento. Bolsonaro é, por definição, o principal opositor de Lula, e está vivendo um momento delicado, pois, além das condenações por inelegibilidade, acaba de ser indiciado em um dos diversos inquéritos nos quais é investigado.
O governo brasileiro não pretende romper relações com o vizinho do sul, mas, com certeza, a depender das palavras a serem proferidas pelo presidente argentino no encontro extremista, reagirá, exigindo a necessária retratação e o respeito à soberania brasileira. Há, nas chancelarias dos países sul americanos, cujos governos ideologicamente são os mais distintos entre si, uma clara percepção de que a postura de Milei não é apenas inadequada, mas francamente afrontosa, e em nada contribui para a consolidação de laços estáveis entre as nações, preservados seus interesses soberanos.
Milei, que discursa no evento neste domingo, deverá prestar apoio a Bolsonaro e repetir todo o roteiro da gramática extremista, voltada para manter viva a radicalização das emoções e a unidade de seus adeptos em torno de seus propósitos. Retornará ao seu país no fim do dia sem nenhum acordo ou negócio que contribua para que a Argentina possa auferir algum ganho financeiro que permita a melhoria de sua situação interna.
Parece que Javier Milei, decididamente, não deseja protagonizar esse papel. Enquanto isso, slembranças de crises recentes são recuperadas, mostrando que quando um governo não atende às aspirações de um povo em crise, este o expele do poder. Milei precisa estar atento para não sair um dia da Casa Rosada do telhado, e de helicóptero, renunciando a seguir, como o fez seu antecessor Fernando de La Rúa, em 2001.