FELIPE IZAR E LEONARDO QUARTO
O governador Renato Casagrande (PSB), como ele mesmo admite, correu risco de perder a eleição em 2022, embate contra o bolsonarista e ex-deputado federal Carlos Manato (PL). Para garantir a vitória, entre outras ações, Casagrande contou com espécie de frente ampla no Estado, mais pelo poder da máquina do que pelo discurso afetivo. Angariou, de qualquer maneira, considerável união de partidos e lideranças políticas.
Normalmente, a fatura é cobrada nas eleições seguintes, mas Casagrande, empoderado e com entregas consideráveis em 2023 (Ampliação da Terceira Ponte e Ciclovia da Vida), deve mais uma vez trabalhar para não ter de escolher entre aliados. É o que o governador, pelo menos até o momento, pretende colocar em prática, como disse abertamente em entrevista exclusiva para a estreia deste A Vírgula, no Palácio Anchieta.
Entre gestos e cutucadas incisivas sobre a mesa de sua sala, afirmou que “vai subir em palanque, sim, desde que não atrapalhe meu governo”, deixando no ar o recado aos aliados. E arrematou: “A gente tem de ser leal a quem esteve conosco, mas não sei se o consenso (de apoiar apenas um) é possível”.
Na Capital, Casagrande lembrou da candidatura a prefeito do deputado estadual e ex-chefe do Executivo do município João Coser (PT), quem chamou de “meu aliado”. Em seguida, citou as conversas, direcionadas ao mesmo pleito, entre o correligionário Tyago Hoffmann, deputado estadual, e o tucano Luiz Paulo Vellozo Lucas, também ex-prefeito da cidade. Reforçou que o movimento dos dois é da base.
Casagrande não lembrou de mais ninguém, no mesmo dia em que “liberou” o coronel Alexandre Ramalho (Podemos) da Secretaria de Segurança para o oficial avaliar seus projetos políticos – coincidentemente quem pode tirar votos do atual prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos).
Entre os aliados, dessa forma, o governador aposta mesmo no risco de evocar união em eventual segundo turno: “É preciso respeitar também a eleição de dois turnos. Você pode ter mais de um candidato numa faixa política e juntar essas pessoas no segundo turno”, apontou.
Também para A Vírgula, Casagrande assegurou que vai participar ativamente do processo de transição ao governo do ES em 2026, momento que marca o fim da dicotomia Hartung-Renato após mais de 20 anos. O governador, definitivamente, não pretende entregar as cartas.
Avaliou ainda a polarização político-afetiva do país e disse discordar da postura do presidente Lula: “Ele diz que quer pacificação, mas os discursos são também de enfrentamento ao bolsonarismo”.
E, entre diversos outros assuntos, comemorou resultados de governo como a ampliação da Terceira Ponte, a inauguração da Ciclovia da Vida, a entrega do Aquaviário e o fim da cobrança do pedágio, que chamou de amaldiçoado.
Abaixo, leia os principais pontos da entrevista e assista ao bate-papo completo na TV Vírgula!
A Vírgula: Governador, vamos olhar um pouco para o futuro. Faltam três anos ainda, tudo bem. Mas é verdade que estamos fechando um ciclo: são mais de 20 anos do senhor e do ex-governador Paulo Hartung revezando no principal poder do ES. O que pensa do fim desse ciclo e quem teria o perfil para dar continuidade?
Governador Renato Casagrande: O ano de 2023 foi de muito resultado para a população capixaba. Primeiro, o que eu vislumbro é que a gente trabalhe, trabalhe e trabalhe para chegar em 2026 com o Estado equilibrado e organizado, com capacidade de investimento, de enfrentar os desafios, de ir melhorando a vida dos capixabas. O que eu desejo pós-2026 é que eu, com mandato ou sem mandato, possa continuar ajudando o ES. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que nós vamos precisar fazer uma transição. Um novo governador, uma nova governadora. E isso está na cabeça de todo mundo porque, como eu não posso ser candidato à reeleição, os partidos políticos e as lideranças já ficam mais agitados neste momento. E me caberá como governador, eu e Ricardo Ferraço, caberá a nós, junto com nossos aliados, aliadas, apresentar à sociedade capixaba um projeto que tenha candidato ou candidata ao Governo do Estado, que tenha candidato ou candidata ao Senado. Que a gente apresente ao Estado uma posição equilibrada para não correr o risco de ter no Executivo estadual alguém que desequilibre as relações políticas. Não vamos falar em nomes ainda. Os nomes vão surgindo a partir do trabalho que a gente está fazendo.
O senhor falou sobre equilíbrio e a gente observa o acirramento da polarização política. Existem críticas que não existiriam em outro momento da política em relação ao governo do senhor, mesmo que tenha trazido entregas relevantes à sociedade. Como observa isso?
Nós estamos governando em um momento em que uma parte das pessoas não se orienta pelo resultado. Se orienta por posicionamento ideológico. E posicionamento muito superficial, rasteiro, sem conteúdo, sem nenhuma densidade, sem nenhuma profundidade. Na eleição de 2022 nós tivemos um risco efetivo (de perder). Porque uma parte da sociedade capixaba, mesmo avaliando bem o meu governo, não votou em mim por questões políticas ideológicas. Não é mais bom resultado de governo que te faz ter bom resultado na eleição. Mas é preciso que a gente compreenda que o resultado do governo faz a gente ter sucesso. Eu ganhei num Estado em que o Bolsonaro teve maioria dos votos não sendo aliado de Bolsonaro; estando aliado ao presidente Lula. Por que eu ganhei? Porque tenho o perfil de pessoa ponderada, equilibrada, mas porque tive resultado no governo. Então, por mais que se relativize o resultado (de ações) do governo, ele cumpre um papel. Não é mais aquela importância que ele tinha, mas é uma importância que precisa ser levada em consideração. Neste período a gente precisa buscar reflexão junto à população capixaba, porque a população capixaba não pode permitir que esteja sentado aqui nesta cadeira gente que governe só para os seus.
"Neste período a gente precisa buscar reflexão junto à população capixaba, porque a população capixaba não pode permitir que esteja sentado aqui nesta cadeira gente que governe só para os seus".
Renato Casagrande Tweet
Ainda dentro dessa polarização político-afetiva, gostaria que o senhor falasse mais um pouquinho sobre a necessidade de as pessoas saírem da bolha. E que também avaliasse o posicionamento do presidente Lula, que tem falado em união, governar para todos, mas em discursos tem fomentado a polarização, como fez aqui no Estado na inauguração do Contorno do Mestre Álvaro. O senhor concorda com essa argumentação?
Primeiro, ressaltar que o presidente Lula, diferente do presidente Bolsonaro, tem um perfil de debate federativo mais adequado, porque ele (Lula) nos convida para conversar, trata de temas importantes para o Estado; você não vê o presidente Lula batendo boca com o governador. Mas é bom que a gente também reconheça que a polarização é boa para o Bolsonaro e o presidente Lula, mesmo falando de uma forma, age de outra. Ele diz que quer pacificação, mas os discursos dele são também de enfrentamento ao bolsonarismo. Eu considero que (esse posicionamento de Lula) não está no caminho correto. O presidente Lula deveria esquecer isso, no debate e no discurso. Deixa o poder Judiciário e o Congresso tratarem desse tema. Porque acaba que parece que interessa também ao presidente Lula essa polarização.
Os protestos de 2013, daquela forma difusa, foram um dos pontos para chegarmos neste Brasil polarizado. O senhor estava aqui (no Palácio) em 2013 e no ano passado decretou o fim da cobrança do pedágio, símbolo daquela época. Até que ponto 2013 influenciou nessa decisão?
Não teve influência de 2013, mas o processo de decisão nossa foi de análise muito pragmática. O contrato terminou, 25 anos. Um contrato questionável. As manifestações de 2013 transformaram a praça do pedágio na praça das manifestações. Aconteceram os processos do Ministério Público no Tribunal de Contas. Isso tudo fez com que o pedágio fosse amaldiçoado. A taxa que a população pagava na Ponte era de manutenção. Se fosse cobrar, de fato, a taxa de acordo com contrato (com a Rodosol), seria uma taxa duas vezes e meia, três vezes maior do que esses R$ 2,80 que eram pagos. Até avaliamos (com o fim do contrato) fazer uma cobrança de manutenção na Ponte e na rodovia (Guarapari), mas a cobrança do pedágio para manutenção era metade do valor do custo do pedágio. Então, num Estado organizado, tecnicamente não tinha muita razão de continuar cobrando da população.
Em 2023, o senhor, ao lado da Assembleia, aumentou o ICMS em razão da Reforma Tributária, alegando extrema necessidade para o ES não ter prejuízo. Pouco tempo depois, recuou. Avalia ter sido um desgaste desnecessário? No final das contas, já fez uma avaliação mais ampla de como a Reforma vai afetar o Estado?
A revisão que a gente fez sobre a alíquota modal do ICMS foi totalmente ancorada na coerência. Nós encaminhamos para a Assembleia um Projeto de Lei para aumentar a alíquota porque a proposta da Reforma Tributária apontava que nós teríamos prejuízo futuro. Por responsabilidade, eu aceitei ter um desgaste político.Mas assim que o Congresso retirou esse comando (o texto anterior previa que a parcela de cada estado na distribuição do IBS – substituto do ICMS – a partir de 2033 respeitaria o critério da média de arrecadação do ICMS por cada estado entre 2024 e 2028) da Reforma, eu coerentemente fiz a revisão. Sobre o projeto todo em si, a hora que você passa a fazer cobrança no destino não é bom para nós, nós não somos um Estado que é grande consumidor. O Estado é mais produtor do que consumidor. Então o ES vai ter que se virar em competitividade e eficiência para a gente não perder. Mas, no final, as mudanças feitas na Câmara melhoraram a proposta.
Em 2019, em seu segundo governo, logo que o senhor assumiu anistiou por Lei os policiais militares que participaram da greve de 2017. Considera que foi suficiente para retomar o diálogo com as tropas? Qual a relação do senhor com os policiais hoje?
É muito boa a relação com os policiais. Eles sabem que, comigo no governo, eu os valorizo. Eles sabem que a gente dá um tratamento diferenciado às forças de segurança. Hoje um soldado, após aquela campanha repercutida dos piores salários do Brasil, ganha acima da média. Então, minha relação com a área de segurança e de justiça é uma relação muito boa, porque eles sabem que nós trabalhamos, valorizamos e estamos tendo resultado.
Mas como o senhor avalia o tensionamento que tinha no início do seu segundo governo (época da anistia) e a quantidade de policiais ligados à direita que se elegeram?
Olha, os policiais tiveram identidade maior com o pensamento bolsonarista. Com a prática bolsonarista, aliás, não vou nem dizer sobre pensamento. Aqui no Espírito Santo, pode ser que um policial não apoie o meu governo, mas não tem razão de não apoiar. Porque não teve nenhum governo que tenha feito tanto por eles (como o meu), tanto na valorização salarial quanto na infraestrutura, na tecnologia, na contratação de policiais. As pessoas podem gostar ou não de mim, gostar ou não do meu governo. Mas você pode perguntar a eles se alguém fez mais do que nós fizemos.
Eleições 2024. O senhor vai subir em algum palanque?
Eu vou subir em palanque, sim. Vou subir em palanque. Eu tive prefeitos que estiveram junto comigo, me ajudaram. Vou subir no palanque desde que não atrapalhem meu governo. Mas vou estar, sim. Têm municípios que você tem dois, três candidatos da base do governo. Eu terei que respeitar esses candidatos. Onde nosso movimento estiver com uma candidatura única, nós vamos estar presentes. A gente tem que ser leal às pessoas que estiveram junto conosco, por conta da eleição tão dura e tão difícil como foi em 2022.
Mas o senhor vai trabalhar por um consenso em Vitória, por exemplo?
Eu não sei se o consenso é possível. Estou vendo aqui que o João Coser é candidato a prefeito: ele é meu aliado. Estrou vendo que Luiz Paulo (Velloso Lucas) e Tyago Hoffmann estão discutindo com um grupo de partidos. Esse é um movimento aliado.
Não vai dividir voto assim?
Assim, é preciso respeitar também a eleição de dois turnos. A eleição de dois turnos você pode ter mais de um candidato numa faixa política e juntar essas pessoas no segundo turno.
"Eu vou subir em palanque, sim. Vou subir em palanque. Eu tive prefeitos que estiveram junto comigo, me ajudaram. Vou subir no palanque desde que não atrapalhem meu governo. Mas vou estar, sim".
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