Os cientistas políticos e professores da Universidade de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, são reconhecidos por suas pesquisas sobre regimes híbridos, que combinam elementos de democracia e autoritarismo. Em seus estudos, analisam o funcionamento desses regimes, investigando como conseguem se manter no poder apesar de suas aparentes contradições. Suas contribuições tem oferecido subsídios para a compreensão das dinâmicas políticas contemporâneas e oferecem uma lente crítica para avaliar os desafios enfrentados pelas democracias em todo o mundo.
Sua obra mais conhecida, “How Democracies Die” (Como as Democracias Morrem), tornou-se uma referência na análise das ameaças modernas às democracias. Combinando suas expertises em América Latina e Europa, Levitsky e Ziblatt oferecem uma visão abrangente de como líderes populistas e autoritários minam instituições democráticas por meio de diversos artifícios, incluindo a instrumentalização do fundamentalismo religioso.
É sob a perspectiva dessa obra que este artigo pretende oferecer uma resposta à questão: o fundamentalismo religioso pode ser colocado a serviço da corrosão da democracia brasileira?
No contexto do livro “Como as Democracias Morrem”, o fundamentalismo religioso é abordado como uma das forças que podem contribuir para o enfraquecimento das democracias. Levitsky e Ziblatt discutem como movimentos religiosos fundamentalistas podem minar normas democráticas e promover agendas que corroem os fundamentos democráticos. Nesse contexto, analisam quatro aspectos sobre como isso acontece: alianças com políticos populistas; desafio às normas democráticas; busca pelo conflito social e polarização; legitimação do autoritarismo.
Para Levitsky e Ziblatt, o fundamentalismo religioso se alia a líderes populistas para consolidar poder e mobilizar bases eleitorais. Essas alianças resultam na promoção de políticas que favorecem uma visão religiosa específica, marginalizando outras crenças e minorias. Ao unir forças com o populismo, o fundamentalismo religioso consegue amplificar sua influência política, permitindo a implementação de agendas conservadoras que podem comprometer os valores democráticos.
Além disso, movimentos fundamentalistas têm o potencial de desafiar normas democráticas ao promover leis e políticas baseadas em interpretações estritas e conservadoras da religião. Tais medidas podem incluir restrições a direitos civis, enfraquecendo a natureza inclusiva e pluralista da democracia. Ao impor visões religiosas rígidas, esses movimentos ameaçam a diversidade de pensamento e a igualdade de direitos, pilares fundamentais de uma sociedade democrática saudável.
Outro aspecto crítico trata-se de como o fundamentalismo religioso busca intensificar a polarização dentro da sociedade, dividindo a sociedade entre aqueles que aderem a uma visão religiosa particular e os demais que são considerados infiéis. Essa divisão é explorada por líderes autoritários, que utilizam o aumento da polarização para justificar medidas repressivas e consolidar seu controle sobre o poder. A polarização resultante mina a coesão social e cria um ambiente propício para a implementação de mais políticas autoritárias.
Por fim, o fundamentalismo religioso, em alguns casos, é utilizado para legitimar as ações de líderes autoritários e consolidar seus regimes. Ao se apresentar como defensor da fé e dos valores religiosos, o fundamentalismo justifica a supressão da dissidência e a centralização do poder. Essa associação fornece uma justificativa moral para as ações autoritárias, fortalecendo a posição dos líderes e dificultando a resistência democrática.
Analisando esses quatro aspectos, ambientados no contexto político brasileiro contemporâneo, torna-se possível responder à questão central deste artigo: sim, o fundamentalismo religioso pode ser colocado a serviço da corrosão da democracia brasileira, como está detalhado, a seguir.
Observando o crescimento do fundamentalismo religioso na política brasileira, atualmente personificado pela autodenominada “Bancada da Bíblia” (composta por parlamentares que visam consolidar uma visão religiosa conservadora hegemônica), torna-se possível identificar claramente os quatro aspectos levantados por Levitsky e Ziblatt (alianças com políticos populistas; desafio às normas democráticas; busca pelo conflito social e polarização; legitimação do autoritarismo), em “Como as Democracias Morrem”.
Ao se associar com políticos populistas e adotar seu discurso, a “Bancada da Bíblia” adquiri o poder de influenciar políticas públicas e a legislação, promovendo agendas que refletem valores religiosos conservadores. Essa influência, se resulta em políticas que restringem direitos civis ou marginalizam minorias, pode impactar negativamente a inclusão e o pluralismo democráticos.
Quando a “Bancada da Bíblia” propõe leis baseadas em uma interpretação estrita e conservadora da religião, acaba por desafiar normas democráticas fundamentais. Isso inclui restrições à liberdade de expressão, aos direitos das mulheres e aos direitos LGBTQ+, enfraquecendo o caráter inclusivo e pluralista da democracia.
Além disso, o uso de retórica religiosa pela “Bancada da Bíblia” para mobilizar apoio político pode aumentar a polarização na sociedade. A divisão entre aqueles que seguem uma visão religiosa específica e aqueles que não a compartilham pode ser explorada por líderes populistas e autoritários para justificar medidas repressivas e consolidar o controle sobre o poder.
Dessa forma, a “Bancada da Bíblia” pode ser usada para legitimar políticas autoritárias, apresentando-se como defensora da fé e dos valores religiosos, fornecendo uma justificativa moral para ações que minam a democracia, como a supressão da dissidência e a centralização do poder.
Para encerrar este artigo de forma mais positiva, é importante destacar uma alternativa benéfica para a democracia: o fortalecimento do conceito de laicidade. A laicidade refere-se à separação entre religião e Estado, garantindo que o governo opere de forma independente de influências religiosas. Isso assegura igualdade de direitos e respeito a todas as crenças.
No contexto deste artigo, o fortalecimento da laicidade serve como um contraponto ao fundamentalismo religioso, sustentando a democracia ao manter a separação entre religião e Estado. Essa alternativa protege a liberdade religiosa e os direitos das minorias, além de garantir o pluralismo. Ao promover um ambiente onde todas as crenças são respeitadas, a laicidade contribui para uma sociedade mais justa e democrática.
Por fim, a laicidade fomenta um ambiente de cooperação que promove a integração social. Ao limitar a influência de grupos religiosos na política, a laicidade reduz a polarização, oportunizando uma educação inclusiva e crítica, livre de doutrinação. Dessa forma, forma cidadãos que baseiam suas discussões em argumentação racional e, ao melhorar a qualidade de suas bases argumentativas, contribuem para a construção de soluções mais eficazes para questões políticas que afetam toda a sociedade.