Um interminável rodízio de senadoras e de senadores, no dia de hoje, repercutiu na tribuna a operação da operação Tempus Veritatis, deflagrada em cumprimento a uma determinação do ministro Alexandre de Moraes. A operação teve como foco, principalmente, um grupo de oficiais das Forças Armadas, alguns oficiais generais, que são investigados por suposta participação em uma sequência meticulosa de atos de desestabilização do Estado democrático e das instituições Republicanas.
O teor dos discursos seguiu o mesmo roteiro desde sempre, com ataques ao STF, especialmente ao ministro Alexandre, denúncia da implantação de um regime ditatorial, defesa da liberdade de expressão e de pensamento, bem como da legitimidade dos protestos contrários ao processo eleitoral e ao resultado das eleições presidenciais de 2022 (apenas dessas). Mais: denúncia sobre uma suposta trama comunista em curso, acusações difusas contra o presidente da República e seu partido, o PT, entre outras que integram a gramática dos grupos de extrema-direita em seu projeto de mobilização e enfrentamento permanente.
Esta A Vírgula chama a atenção para o discurso de um parlamentar em especial, o senador e ex-vice-presidente da República de Jair Bolsonaro, general reformado Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Mourão ocupou diversos postos de comando importantes ao longo de sua carreira, e, nos últimos anos na ativa, se caracterizou por expressar, à revelia das leis que regem o comportamento dos servidores militares, opiniões políticas de conteúdo duro, contrárias ao governo de então, o da ex-presidente Dilma Roussef (PT).
Mas o que disse Mourão da tribuna do Senado neste momento? Não foi um discurso, mas um simulacro de proclamação à nação, algo próprio da cultura militar latino-americana. Tais proclamações sempre antecederam aos golpes militares, sendo construções retóricas de conteúdos imbuídos de um espírito salvacionista.
O senador afirmou, contrariando a história e os fatos que constituem, que o Brasil vive um momento de anormalidade, com riscos de implantação de um regime autoritário, e que o STF e as oligarquias regionais lideram esse processo. Essas oligarquias, segundo Mourão, “querem subjugar o país ao seu jogo de corrupção, no qual, o Partido dos Trabalhadores, com todo o seu histrionismo, não passa de uma fachada para que os verdadeiros donos do poder façam o que querem e bem entendem. É quase uma volta a 1922, uma revanche histórica das oligarquias contra tudo aquilo que as desafiou naquele momento”. O senador evocou o movimento tenentista da década de 1920, sagrando o seu aspecto revolucionário e transformador da vida nacional.
A proclamação de Mourão, após chamar a sociedade a se unir contra essa imaginária escalada autoritária, se alonga antes de tocar naquele que é o seu objetivo principal: a defesa dos militares que se encontram sob investigação por participarem de toda uma complexa trama golpista, conforme descrito no despacho do ministro Alexandre de Moraes.
Mourão defende o caráter de casta dos militares, e tudo aquilo que considera que os mesmos representam, para avisar ser inadmissível que os atuais comandantes das três Forças precisam reagir contra ações que tenham por alvo integrantes das mesmas, pelo fato das mesmas não serem originárias da Justiça Militar, mas sim do STF, a Suprema Corte.
A proclamação/fala de Mourão nos remete à segunda década do século 20, quando comandantes militares comumente se manifestavam sobre os assuntos políticos do país, sempre ameaçando uma intervenção apresentada como salvacionista.
Assistimos hoje a um ato de desespero contido, sem gritos, em tons ameaçadores, mas completamente desprovido de realidade e de condições políticas que o sustentem. Mourão quis falar aos seu grupo, à sua bolha, à extrema-direita, assustada com a evolução das investigações no âmbito da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República, que se reportam ao ministro Alexandre
Ao senador Mourão resta, agora, sustentar sua proclamação, buscando criar elementos que a justifiquem, valendo-se da complexa rede de mídia da extrema-direita e de sua notória capacidade de penetração nos mais distintos segmentos sociais. Se isso será exitoso, bem, é outra história, pois estratégias como essa fazem parte do escopo das investigações ora em curso e que hoje atingiram militares e seus aliados.