No “cybertempo” em que vivemos, é raro ver imagens roubando o protagonismo dos algoritmos de engajamento. Manifestações como as realizadas na Paulista recentemente são, provavelmente, cada vez menos relevantes para a formatação do grande teatro de opiniões políticas, muito mais moldado, hoje em dia, nas redes. É no espaço virtual que se encontra a Meca do populismo do século XXI, bem marcada – e cada vez mais – por polarização e radicalismos. Nela, a democracia, irremediavelmente, falhou.
Assim, diferentemente dos Anos 30 do século passado, hoje o líder encarna justamente esse “sentimento” a partir das telas, embora, tal qual naquele tempo, continue desfazendo-se da arquitetura partidária e de sua agenda reivindicativa, de suas plataformas e do grupo em torno das ideias que emprestam unidade à sigla, para encarnar o desejo de eventuais maiorias eleitorais que se pressupõem representativas de todo tecido social.
Essa “pretensão hegemônica” não é, claro, original. Mas frente a um “fim da História” imaginado a partir da corrosão dessas mesmas ambições, atualíssimos ingredientes parecem reorganizar – no fio do tempo – o debate que não tem, na verdade, fim: longe das romantizações típicas de um passado recente, as redes não são as “ágoras hi-tec”, menos ainda o indiscutível canal para colocar transparentemente o poder público em público, alusivamente a uma das promessas não cumpridas elencadas por Bobbio.
Vai negativamente além. Longe da idealidade, as tais “ágoras” formaram o abrigo ideal àquele sujeito da modernidade que, no limite, não mais assujeita o mundo a partir de suas subjetivas cosmovisões, mas, sim, de suas muito íntimas vontades em ligação direta com a pretensa liderança, ciosa dos dividendos políticos ofertados pelo desvelar do “sentimento nacional”.
Como se vê, nessa engrenagem não apenas cada vez mais possível, mas também mais robusta no avançar do século XXI, a estrutura política sedimentada nos partidos e seus ideários plurais e representativos vai pouco a pouco desfazendo-se. Ocorre que, como bem lembra Lefort, afirmar o lugar do poder como um lugar vazio não significa afirmar a aniquilação do próprio poder. A democracia horizontaliza – mas não elimina – esse mesmo poder.
Isso significa que o enferrujamento das siglas – os núcleos de poder a projetar alternância nas democracias – pressupõe sua substituição: saem da arena os partidos como entidades representativas, e entram rostos como a encarnação desse pretencioso sentimento nacional formado não apenas pela “voz das ruas”, mas, sobretudo por uma contemporânea “voz das redes”. O século XXI e suas peculiaridades tecno-comunicacionais, cada vez mais velozes, tende a ser – muito por isso e no risco corrido dessas projeções – o século dos (novos) populismos.
Em paralelo ao tom pessimista até aqui observado, a boa notícia é que, diante da tentação populista cada vez mais sólida, não poderão desaparecer suas condições de possibilidade, como de resto é a própria democracia. Há aí algo de evidente: discursos demagógicos e, em alguns casos, também fortemente contrários ao pacto (re)fundante do país, orientados à obtenção de vantagens eleitorais ao procurar espelhar demandas institucionalmente não atendidas, só fazem sentido em ambientes democráticos. Por outro lado, diante da emergência dessa não apenas possível como, no mais, provável coexistência entre fenômeno e forma políticos, questiona-se a qualidade da democracia no futuro.
Essa é a questão em aberto. Que o tempo, enfim, nos diga algo sobre isso.