Há 92 anos, em 9 de julho de 1932, iniciava em São Paulo a última guerra civil de nosso país, denominada pela historiografia oficial como “Revolução Constitucionalista”. Foram três meses de lutas, opondo as forças revoltosas contra aquelas reunidas pelo governo federal, integradas pelas Forças Armadas e pelas Forças Públicas – antiga denominação do que posteriormente viriam a ser as Polícias Militares – de diversos Estados. A guerra civil teve fim com a rendição das forças paulistas em 2 de outubro, deixando um total de 934 mortos.
O Estado de São Paulo, juntamente com Minas Gerais, por meio de suas oligarquias agrárias, dominara toda a Primeira República, a partir do governo do primeiro presidente civil, o paulista Prudente de Morais (1894-1898). Em outubro de 1930, após proclamado os resultados das eleições, um levante iniciado no Rio Grande do Sul pelas oligarquias gaúchas lideradas pelo presidente do Estado, Getúlio Vargas, marchariam vitoriosas até o Rio de Janeiro, capital da República, e deporiam o recém-eleito presidente Washington Luís, pondo fim à Primeira República.
A oligarquia rural gaúcha, com o apoio de outros Estados, punha fim, de forma definitiva, a um modelo de organização política no qual seus potentados exerceram poder político e econômico absoluto no País. Uma vez na presidência, Vargas rompe com os pactos oligárquicos erigidos a partir do governo de Prudente de Moraes, e consolidados com a chamada “política dos governadores”, construída no mandato do Presidente Campos Sales (1898-1902).
Segundo Carlos Alberto Ungaretti Dias, tratava-se do “compromisso presidencial de não intervir nos conflitos regionais em troca da garantia do pleno controle do Executivo sobre o Congresso, o acordo incluiu manobras políticas que permitiram minimizar a influência das oposições e selou o comprometimento da presidência da República com as oligarquias dominantes nos estados, estabelecendo um novo equilíbrio entre estes e o poder central”.
Vargas assume disposto a alterar todo o edifício institucional erigido para manter o poder oligárquico dos chamados coronéis da Primeira República, razão pela qual, de forma progressiva, vai retirando dos chefes regionais atribuições e mecanismos pelos quais estes exerciam o poder. No caso de São Paulo, cujo gigantismo econômico o tornava fator preponderante na vida da República, o Presidente que assumira o cargo em razão da revolução de outubro de 1930, passou a conter a poderosa oligarquia do estado, motivo de grandes insatisfações, que só aumentavam, na medida em que não se discutia a convocação de eleições para a escolha do novo presidente, prorrogando-se o governo provisório iniciado após a vitória dos revolucionários.
Sob o pretexto de que o Brasil precisava retornar à normalidade democrática – algo que, na prática, o País jamais vivera, São Paulo inicia o levante contra o governo provisório de Vargas. Um movimento que, desde o início, não atraiu apoios necessários a sua consolidação como um fator político determinante para a virada histórica, que forçaria ou a renúncia de Vargas, o grande objetivo da oligarquia paulista, ou a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Terminada a guerra civil, Vargas, um político extremamente hábil, um elemento orgânico do modelo oligárquico que desejava implodir, se apercebeu que não haveria possibilidade de se manter no comando sem o apoio mínimo de frações do poder paulistas, passando a ceder espaços no aparato de Estado, bem como benefícios para o desenvolvimento de seu parque produtivo. Vargas, como todos os presidentes que o sucederam, teve de aprender a lidar com o gigantismo de São Paulo.
A partir de 1932, mesmo derrotado na guerra civil, São Paulo retorna ao cenário nacional após um breve período de afastamento. Vargas em todo o seu longo período de poder (1930-1945 e 1951-1954) , sempre teve enormes dificuldades políticas nas terras paulistas, que guardavam dele a memória do homem que lhe retirou o comando da República. O presidente, entretanto, sabia da necessidade de criar mecanismos de contenção do poder absoluto de um ente federado sobre os demais e sobre a própria República. E assim o fez, como presidente provisório, como presidente eleito indiretamente, como ditador e como presidente eleito pelo povo.
Passados 92 anos do fim da última guerra civil brasileira, o problema do equilíbrio federativo, e da hipertrofia de São Paulo como o centro da economia nacional, permanece latente. Nas discussões sobre a regulamentação da Reforma Tributária, ora em curso na Câmara dos Deputados, toda uma discussão contrária é levantada pela concessão, proposta pelo governo federal, de benefícios fiscais para determinadas cadeias produtivas que se instalem nas demais regiões do Brasil.
As desigualdades regionais, da mesma forma que as desigualdades de renda e de oportunidades, parecem chagas nunca curáveis de um Brasil que busca se construir. Os detentores de privilégios não desejam abrir mão dos mesmos em prol da coletividade, ao contrário. Sejam Estados, pessoas ou empresas, essa estrutura de injustiça mantém o Brasil preso ao seu passado de atraso e de injustiças.