Matéria da Folha de S. Paulo desta sexta, 29, aponta que a maioria dos brasileiros (65%) entende a invasão com depredação das sedes dos Três Poderes apenas como um ato de vandalismo, e não tentativa de golpe – só 30% assim consideram o episódio. Os números são do Datafolha.
Tal percepção se trata de mais uma narrativa bem-sucedida da extrema-direita espraiada no debate político, com o intento de aliviar para seus representantes, que incitaram aquele movimento. Além de ser uma possível negação da trama pelo teor patético do comportamento dos “patriotas” – a ignorância e situações ridículas, aliás, fizeram parte da História do golpe de 1964.
Não há como fugir dos fatos. O 8 de janeiro, que também se caracterizou como vandalismo, foi a intenção de golpe insistentemente fomentada e concatenada, seja de forma oficial pelo então presidente, Jair Bolsonaro; em canais de comunicação, como Brasil Paralelo; por empresários poderosos e endinheirados; ou no subterrâneo violento do ambiente digital.
As reuniões realizadas por Bolsonaro e liberadas para domínio púbico recentemente pelo ministro Alexandre de Moraes mostram, de forma incontestável, a ânsia golpista do Executivo, apoiado por generais 4 estrelas das Forças Armadas, como Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Estevam Theophilo. Planejou-se tudo de dentro dos Palácios do Planalto e da Alvorada, envolvendo a participação de uma outra série de oficiais de patentes inferiores das Três Forças.
Os participantes diretos dos atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 na sede dos Três Poderes contaram ainda com o auxílio de membros treinados pelas forças especiais do Exército, os denominados “kids pretos”. A estes, pelo que já foi revelado até o momento, competiu a dianteira da manifestação; valeram-se de seu treinamento em guerra assimétrica para derrubar as frágeis barreiras montadas pela PM do Distrito Federal, onde estava uma tropa despreparada ou, mesmo, cúmplice.
Os resultados do Datafolha, nesse sentido, precisam ser lidos com a devida atenção. Ao banalizar os crimes cometidos, classificando-os como vandalismo, retira-se toda a gravidade. Esta consta dos inquéritos policiais, corroborados pelas denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal e pelas condenações a penas consideráveis de todos os envolvidos já julgados pelo STF.
Mas é sobre a percepção das pessoas que devemos nos concentrar: sobre as narrativas produzidas e consumidas que as levam a distorcer a realidade histórica, estratégia operada com competência pela extrema-direita em nível mundial. Mais uma vez, o extremismo de direita dá mostras de sua competência em nível comunicacional e na formulação de “realidades paralelas”, valendo-se de todo um ecossistema cujas engrenagens se movem de forma incessante. Isso dá bem o tom do contexto político brasileiro atual.