Uma grande surpresa para parte dos analistas, a economia sob o terceiro governo Lula e com Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda encerrou o primeiro ano de mandato com mais a comemorar do que lamentar.
As principais taxas macroeconômicas mostraram que a política fiscal mais ampliada, com gastos maiores, investimentos em infraestrutura e pagamentos de precatórios, por exemplo – o que ao cabo aumentou o déficit público em 2023 – não prejudicou o país.
O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%. Para o economista Ricardo Machado Ruiz, doutor em Economia pela The New School for Social Research e professor da UFMG, o que aconteceu no Brasil é chamado no mundo econômico de “soft landing”.
“Soft landing” – ou “aterrissagem suave” em português – é a tarefa difícil, muitas vezes inatingível, de reduzir a inflação após um aperto na política monetária, sem desencadear uma recessão. Para combater a inflação, as autoridades aumentam as taxas de juros, tornando o crédito mais caro.
“Conseguimos o feito raro de aliar queda da inflação com crescimento da economia, ainda que de forma lenta, mas real. Para 2024, por exemplo, a projeção da inflação é de 3,5%. Ninguém previu isso na passagem de 2022 para 2023. Foi um ano de surpresas em todos os sentidos. Tanto na política como na economia. Mantivemos os empregos e aumentamos o poder de compra da população sem realizar gastos fiscais elevados. Inclusive com o déficit público dentro do que foi planejado antes de Lula assumir”, avaliou o economista.
Alguns fatores externos explicam o sucesso inicial: a grande onda inflacionária que assolou o mundo entre 2020 e 2022 começou a perder força em 2023, ainda que de forma tênue. Os Estados Unidos pararam de aumentar sua taxa básica de juros e no Brasil, de forma tímida, iniciou-se a queda de juros por parte do Banco Central. Há aqui um princípio de fim da pressão monetária que segurava os investimentos no país.
Outro ponto de destaque do governo Lula III é o superavit da balança comercial. Em 2023, o Brasil vendeu US$ 339,673 bilhões para o exterior, alta de 1,7% em relação a 2022. As compras do exterior somaram US$ 240,835 bilhões, recuo de 11,7% na mesma comparação. Apenas em dezembro a balança comercial registrou superávit de US$ 9,36 bilhões.
“Tudo isso foi muito surpreendente se analisarmos como o governo começou pressionado. Dessa forma, em um primeiro momento, vimos o governo Lula remontando uma série de políticas públicas que foram implantadas por ele: Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, reorganização de ministérios como saúde e transporte; enfim. Temos um primeiro semestre com essas três dimensões: tentativa de golpe; negociação com forças que perderam a eleição em 2022; e reorganização da máquina pública como um todo. Após a estabilização inicial, a partir do segundo trimestre, mesmo sob pressão do Congresso Nacional, o governo consegue resultados econômicos surpreendentes”, avaliou Ruiz.
José Luís da Costa Oreiro, doutor em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília avalia que, agora, o grande desafio do governo Lula é manter o ritmo inicial.
De acordo com o economista, uma série de fatores presentes em 2023 não estarão em 2024. “Um dos exemplos é o agronegócio. Ano passado o aumento da produção agropecuária ficou em 20% diante de condições climáticas muito favoráveis. Este ano tivemos o El Niño e tanto a produção de grãos como de carne serão afetadas por ele. Esse desempenho altamente favorável não se repetirá”, afirmou Oreiro.
O outro ponto de observação para 2024 é que não haverá uma expansão fiscal do mesmo tamanho da ocorrida em 2023. Com a aprovação do Arcabouço Fiscal e a pretensão de déficit zero, o espaço para aumento do gasto público, principalmente em investimento, é bem menor.
Da mesma forma, avalia José Luís da Costa, os ganhos com a redução da inflação já foram esgotados. “Tivemos uma queda significativa de 2022 para 2023, de mais de 3%, e ela levou a um aumento do salário real, mas isso não vai acontecer na mesma magnitude em 2024. Mesmo com projeções de analistas para uma inflação de 3,5%, acredito que deva ficar em 4% ou mais, não sendo muito mais baixa do que o último ano, o que não vai aumentar muito o poder de consumo das pessoas”.
Outro fator inibidor do crescimento econômico do país é a atual política de taxa de juros do Banco Central, como analisou Arlindo Vilaschi, professor de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Economia.
“Qualquer análise sobre a economia neste terceiro governo Lula deve ser ponderada pelo fato de que os graus de liberdade dos governos dentro da política monetária, seja ele de esquerda ou de direita, tendem a zero. O Banco Central tem uma postura reacionária não condizente com a realidade da população brasileira sob a justificativa de um controle prévio da inflação.
Pra Vilaschi, mesmo em queda há vários meses, a política de juros praticada no Brasil tem duas facetas: um patamar de juros básicos muito elevados e, por outro lado, há spreads bancários intactos.
Os spreads bancários referem-se à diferença entre a taxa de juros que os bancos cobram aos clientes para empréstimos e a taxa de juros que pagam aos depositantes.
“Desta forma, a política monetária onera demais o governo se ela pratica uma taxa de juros muito elevada. Diante deste quadro geral, o que aconteceu no primeiro ano foi uma boa gestão do governo nessas pequenas brechas que ele tem para tocar a economia. Foi muito importante recuperar o Bolsa Família, que é o que gera um efeito de demanda interna alavancando pequenas e médias empresas. Daqui para frente o desafio é seguir explorando essas brechas para gerar mais empregos e renda”, avaliou Vilaschi.
Articulista de A Vírgula, Rodrigo Medeiros ponderou que em um ritmo de crescimento menor, é grande o desafio de manter empregos e qualifica-los.
“Ainda assim, muitos comemoram a taxa de desemprego de 7,6% no trimestre encerrado em outubro de 2023, segundo divulgou o IBGE. A taxa composta de subutilização laboral ficou em 17,6% para o respectivo trimestre, sendo que a taxa de informalidade foi de 39,1% para a população ocupada. A taxa de subutilização caiu desde 2021, porém a informalidade se manteve estavelmente alta. O nosso mercado laboral é estruturalmente precário, um ambiente de incubação de extremismos”, escreveu para A Vírgula. Leia completo aqui.