Nos últimos dias tenho me dedicado a uma tarefa muito grata: prefaciar um novo livro de António José Avelãs Nunes, ainda a ser lançado em Portugal, mas já em editoração por aqui, sob minha curadoria.
Avelãs Nunes, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito de Coimbra, amigo pessoal de longa data, traz, em “A Europa Otanizada”, reflexões intransponíveis para quem, como ele chama a atenção, tem a história na memória!
Navegando pela experiência europeia do último século, vamos sendo confrontados com a História a não esquecer, como alertado na primeira frase, para que o passado não se repita.
Mas, o pior, conforme se vai evoluindo na leitura, percebe-se que a memória requerida parece cada vez mais apagada, estrategicamente. E, Avelãs a traz à tona, para inquietar a todos que, seja pela razão que for, insistem em esquecer ou, interessadamente, a deixam “adormecida em berço esplêndido”.
Muitas são as chamadas de atenção. Dentre estas, reproduzo aqui, esta: acompanhado de “alguns Prémios Nobel: Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Paul Krugman”, “…as políticas neoliberais e o alargamento e o aprofundamento da desigualdade, da pobreza e da exclusão social que delas resulta estão a pôr em causa os fundamentos da democracia. Porque a pobreza não significa apenas baixo nível de rendimento ou baixo poder de compra, ela priva as pessoas de capacidades básicas essenciais para a preservação e afirmação da sua dignidade, anulando a consciência dos direitos que lhes assistem enquanto seres humanos.”
E mais: “É urgente entender que o neoliberalismo está a ‘matar’ a democracia: o ritual das eleições ditas livres não garante a democracia, porque não permite uma verdadeira escolha nas questões que realmente interessam, aquelas que decidem da vida e do bem-estar dos povos, que decidem sobre paz e a guerra.”
Não é à toa que temos visto o retorno do discurso populista e do saudosismo desmemoriado de regimes ditatoriais (vimos isto na história recente brasileira, com as manifestações golpistas que levaram à “intentona bolsonarista” do 8/1/23), o que reforça os argumentos trazidos pelo autor: história, memória e neoliberalismo são temas que não podem faltar para entendermos o mundo e a sociedade contemporânea.
E, um novo ingrediente que não escapa ao olhar atento do professor de Coimbra: “As notícias falsas são verdadeiras armas de guerra, utilizadas há muito em tempo de guerra e nos palcos de guerra. De há uns anos a esta parte, vêm sendo utilizadas também, em vários países, nas guerras eleitorais, um dos palcos da guerra de classes. Profissionais sem escrúpulos ao serviço de políticos sem escrúpulos, manejam-nas com grande competência, desvirtuando a democracia, configurando novas formas de fascismo encapotado.”
Esta chamada de atenção é fundamental em tempos de inovações tecnológicas e seus usos em contradição com mínimos civilizatórios conquistados – não assegurados – a duras penas. O “tecnoneoliberalismo” – composição entre neoliberalismo e tecnologia, onde o discurso “matemático” da eficiência se apresenta como intransponível – parece, cada vez mais, siamês do fascismo, “…pela acção de empresas especializadas em strategic communications, que ‘produzem’ e difundem notícias falsas (fake news, em bom português…), construindo narrativas capazes de minar a própria liberdade de pensamento dos grupos-alvo, moldando as suas atitudes e comportamentos.”, como alertado por Avelãs Nunes.
Este spoiler não pretende estragar a surpresa do leitor que se aventurar pelo prazer do texto. Ao contrário, traz apenas alguns insights que Avelãs Nunes nos faz ver, contando a história recente da Europa otanizada, para evitar que, por tudo o que detalha no texto, possa “afigurar-se mais responsável comportar-se de forma irresponsável. (…) O irracional poderá ser a única coisa racional.”
Um risco, sempre à espreita, em um mundo também otanizado!