Hoje é dia de São João, dia de festa na maioria do Brasil. Dia que, em São Paulo, dois homens, um carioca, de 93 anos, e um pernambucano, de 78, se encontraram por meia hora para conversar, trocar ideias, para manifestar suas impressões sobre o Brasil e o mundo. Para falar de política.
São representantes de um país que se dividiu no passado. Mas o reencontro carrega mais o simbolismo de uma democracia perdida que clama por retorno, ou pelo menos uma que respeitava um pouco mais o contraditório e o campo das ideias. Um pouco mais.
Lula, o pernambucano, Presidente da República pela terceira vez, visitou Fernando Henrique Cardoso, o carioca, na residência deste. Foi a fotografia da história do Brasil pós-ditadura, quando ambos se tornaram os cidadãos que por mais tempo comandaram, e comandam até hoje, os destinos do país. Lula e FHC fizeram suas carreiras públicas em São Paulo. O atual presidente, como metalúrgico e sindicalista, FHC, como professor da USP e pesquisador. Ambos militaram nos movimentos de luta contra a ditadura, contra a tortura, nas jornadas pela anistia, pelas Diretas Já, pela convocação da Constituinte. Lula apoiou e votou em FHC quanto este disputou, e perdeu, a eleição para o Senado em 1978, ainda durante o bipartidarismo.
A redemocratização foi conduzindo-os a caminhos distintos. O atual presidente fundou o PT, colocando-se à esquerda do espectro político brasileiro, mesmo sendo um socialdemocrata dos mais radicais e convictos. Fernando Henrique seguiu no PMDB, sucedâneo do MDB, apostando na grande frente democrática que funcionara na luta contra a ditadura, unindo conservadores, liberais e a centro-esquerda. Posteriormente, FHC, junto com outros dissidentes do PMDB, funda o PSDB, partido ao qual está filiado até hoje.
Lula disputou mais eleições presidenciais do que seu histórico adversário. Foram seis ao todo, contra duas do tucano. FHC foi vitorioso, contra o próprio Lula, em duas oportunidades (1993 e 1997), e o atual presidente, até o pleito de 2006, sempre disputou as eleições presidenciais contra tucanos: José Serra e o atual Vice-Presidente, Geraldo Alckmin, hoje filiado ao PSB. A exceção foi a eleição de 1989, vencida por Fernando Collor em segundo turno.
A história do Brasil a partir da segunda metade da década de 1970 tem nesses dois homens, que hoje se encontraram em um bairro elegante de São Paulo, os seus personagens mais marcantes no campo democrático. Seus desentendimentos, e foram sérios, nunca os impediram de manter entre si os canais de diálogo, mesmo nos momentos mais tensos, quando da privatização das teles e da Vale, por exemplo.
Nunca propuseram por si a desestabilização institucional ou golpes de Estado, mas seus campos políticos, inegavelmente, entraram em conflitos perigosos. Autores como o filósofo Francisco Bosco apontam divergências entre PT e PSDB que culminaram em espécie de anulação mútua ao longo do tempo.
O partido de Lula já pediu impeachmeant de seu ex-rival principal sem razão para tal, uma quebra das regras não escritas bem delineada pelos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziball, na obra “Como as Democracias Morrem”. Se o Partido dos Trabalhadores dispensava o termo “fascista” para FHC, nos anos 90 abusava do cunho “neoliberal” para atacar o adversário, significado cujo peso, no entendimento da esquerda, era tão depreciativo quanto. Muitos progressista, aliás, classificam o neoliberalismo como o responsável por escancarar a porta neofacista.
Já os tucanos começaram a assumir uma posição mais direitista com o tempo, só que de modo a cruzar as linhas democráticas em momentos-chave, especialmente quando Aécio Neves se recusou a aceitar sua derrota para Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2014. O PSDB colaborou de forma acintosa para provocar o impechmeant da ex-presidente, caminho determinante para um declínio programático e de relevância da sigla.
Mas hoje, em São Paulo, ao se reencontrarem pessoalmente, Lula e FHC simbolizaram a civilidade, a busca pela construção, mesmo divergindo, de um país mais justo, soberano e desenvolvido. Apesar dos pesares, é o recado que transmitiram neste dia de São João, diante de um país fora de controle.