Tão assustador quanto as evidências elucidadas pela operação Tempus Veritatis contra a tentativa de golpe de Estado e a abolição do Estado Democrático de Direito foi o tsunami de informações sobre o caso repercutido na imprensa e nas redes sociais. Esse cenário continuará por mais algum tempo e, tudo indica, pode ser novamente aquecido por outros grandes casos.
Com respostas ainda incertas e todo esse bug informativo, a compreensão do cenário se torna mais nebulosa. E a premissa nesta análise é debater alguns caminhos editoriais até aqui disseminados nesta semana bombástica da política nacional.
Comecemos por uma reportagem da Veja. O veículo trouxe a manchete “Escândalos não abalam popularidade de Bolsonaro”. O recorte, todavia, é uma pesquisa do Instituto Paraná entre os dias 24 e 28 de janeiro, portanto, antes desta operação, a mais incisiva, autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 8 de fevereiro.
A Veja conclui, com base no levantamento, que, até então, esses escândalos não produziram “nenhum estrago visível na popularidade do ex-presidente”. “Em certa medida, até ajudou a insuflar parte de sua massa de eleitores com a narrativa de perseguição política”, registra a reportagem, chamando os acontecimentos de assédio judicial.
A informação de que Bolsonaro está inelegível se encontra “perdida” no decorrer do longo texto, de modo que a pesquisa do Paraná se baseia num cenário irreal para 2026, com o ex-presidente no páreo e sob o declaratório do grupo Bolsonarista de que conta com seu guru para disputar as próximas eleições presidenciais.
O próprio Valdemar Costa Neto, presidente do PL e preso por porte ilegal de arma na operação da Polícia Federal, disse em entrevista para A Vírgula que acredita (antes desse 8 de fevereiro, registre-se) no salvamento do ex-presidente para 2026. Mas Valdemar, na mesma entrevista, já morde e assopra, inclusive com acenos mais ponderados a Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Lula.
Fato é que essa última operação foi, como ressaltado, a mais ampla e incisiva contra os atos golpistas, com registros graves de atores que tentam interferir deliberadamente nos rumos democráticos do país. A perspectiva de Bolsonaro em 2026, mesmo que ele tenha apoio popular, se demonstra ainda mais inviável nestes tempos – o que torna o levantamento hipotético mais um instrumento para insuflar a polarização e o grito digital.
Mesmo que as reações no continente de bytes estejam a todo vapor, o cenário desenhado hoje mostra um STF implacável e uma tentativa de comportamento institucional, mesmo que estratégico, dos players que “ficam”. O presidente Lula, além disso, tem tentado fechar o cerco: Flavio Dino no STF, Ricardo Lewandowski no ministério da Justiça e, apesar do pé de guerra com o presidente da Câmara, Arthur Lira, os dois acabam de fazer uma reunião pré-Carnaval para tentar alinhar os ponteiros.
Artigo no Estadão do cientista de dados e especialista em política Sergio Denicoli atesta que “há fatos, mas no mundo online o que conta mesmo são argumentos”. Ele arremata ao escrever que “a ação da PF foi apenas mais um dos embates entre bolsonaristas e o Supremo”, de modo que, nos grupos de direita, prevaleceu a cantilena de perseguição política, independentemente da realidade.
Análise certeira. No entanto, tudo indica que essa realidade tenha sido um pouco mais dura agora. Após os últimos eventos, algumas perguntas para reflexão.
Personagens como o prefeito de São Paulo e candidato à mesma vaga, Ricardo Nunes (MDB), apoiado pelo bolsonarismo, vai na campanha sustentar a narrativa direitista em meio a tanta pressão? Ele nem sequer se manifestou nas redes. Tarcísio de Freitas, eleito governador com apoio do bolsonarista, vai abdicar da aproximação institucional com Lula para dar palanque a discursos fora da realidade? O republicano, aliás, parece que nunca quis sair muito disso; só o fez pressionado para dar uma resposta. Mas agora não pode ser um pouco diferente?
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, que estava motivado a tocar uma agenda anti-STF, também estava à priori na minuta do golpe recebida por Bolsonaro. Ele seria preso pelo texto inicial. No Twitter, a última manifestação de enfrentamento ao STF de Pacheco foi em 25 de janeiro. Vai ele, neste momento, seguir pelo mesmo rumo?
Nem mesmo o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que vem de uma série de declarações polêmicas, ousou repetir a dose. Ao contrário, seu último vídeo no Instagram, em 8 de fevereiro, abusou da diplomacia. Na legenda, escreveu: “Superando as diferenças, com diálogo e moderação”. Ele recebeu, em Minas Gerais, em Belo Horizonte, o presidente Lula. “Estive por mais de duas horas com o presidente para mostrar as demandas do estado”, ressaltou em sua fala. O caminho de Zema não foi só o mesmo de Tarcísio, mas também a linha recente do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
Não é antidemocrático e nem descaso com a população representantes políticos agirem com cidadania, respeitando os preceitos democráticos e evitando performance baseada em padrões antirrepublicanos. Será só uma estratégia de momento ou esse comportamento vai pegar?
O avanço do STF, sim, será contestado no mercado político e no próprio debate da imprensa, com ou menos vigor. A polarização vai perdurar nas redes sociais e invadir as eleições de 2024, que será uma régua de humores entre os candidatos muitos deles, sem dúvidam vão levar o tema anti-STF à frente. E o ex-presidente Jair Bolsonaro continuará a ser tratado como um mártir pela extrema-direita.
Resta saber se o mercado político vai mergulhar na guerra cultural ou vai se basear na dura realidade que se impõe. Tudo é possível.