Se há um ponto em comum entre a comunicação fascista dos anos 30 e 40 do século passado com a praticada nos dias atuais está na emergência de novas tecnologias de comunicação. A primeira onda do fascismo, aquela de Hitler e Mussolini, aproveitou-se do surgimento dos jornais impressos em grandes tiragens, do rádio, do cinema e da incipiente televisão para divulgar sua ideologia, catequizar e manipular as massas.
Na segunda onda, no início deste século, o fenômeno se repete com as novas tecnologias digitais de comunicação, consolidando-se no agora ecossistema midiático com as redes sociais.
Em comum entre as duas ondas, tanto a do movimento fascista original quanto a de agora, estão dois aspectos fundamentais. O primeiro foi o alcance dos processos de comunicação em velocidade e tempo jamais vistos, seguidos por um certo sentido inicial de encanto e deslumbramento.
O mesmo verifica-se atualmente com a comunicação digital, inicialmente acompanhada por um sentimento de democratização, onde todos poderiam se manifestar e propagar preceitos dos bons ideais de democracia, justiça e igualdade. Mas, tanto antes quanto hoje, houve a apropriação das técnicas de comunicação para disseminar discursos autoritários e de ódio, preconceitos e discriminações.
O segundo aspecto está na ausência de claros parâmetros reguladores dos conteúdos divulgados nos meios de comunicação. No caso dos primeiros grandes veículos de comunicação de massa temos como exemplo o surgimento e disseminação do chamado jornalismo marrom (ou yellow press nos Estados Unidos, berço e maior expoente deste tipo de imprensa).
A revolução gráfica, em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, possibilitou a impressão de milhares de exemplares dos jornais populares, vendidos a preços baixos (penny press) e, cujo maior apelo estava nas manchetes chamativas.
Foi o tempo do jornalismo muckcraker, do sensacionalismo desmedido das denúncias de corrupção, fundamentadas ou não, e que pautou a cobertura, em especial a da política. Abastecida pelos agentes de imprensa – categoria ancestral os atuais assessores de imprensa e dos spin doctors, termo mais recente para os manipuladores da cobertura jornalística -, os jornais não se furtavam em primeiro atirar para perguntar depois.
Com o tempo e diante dos abusos, a própria imprensa tratou de colocar um certo limite e alguma ética na cobertura, principalmente para preservar um de seus maiores patrimônios, a credibilidade. Registre-se que, se o jornalismo impresso foi tomado pelo sensacionalismo denuncista, o mesmo tom de cobertura era transmitido pelas ondas do rádio e nos documentários das telas dos cinemas.
Apenas para ilustrar, o filme estadunidense “Birth of a Nation” (O Nascimento de uma Nação), de 1915, dirigido por D.W. Griffith, um marco histórico do cinema, é criticado pela defesa da escravatura e exaltar a Klu Klux Kan. E, posteriormente, a Alemanha nazista exibia à exaustão produções como o documentário “Der ewige Jude” (O Judeu Eterno), de 1940, obra usada como propaganda nazista antissemita.
Nos dias de hoje, com a ascensão dos meios de comunicação digitais, tem-se um fenômeno semelhante. Como nos meios de comunicação de massa surgidos no século passado, hoje sites, plataformas de notícias, redes sociais e o aparato midiático digital movem-se sem a determinação de um claro marco regulatório. Permitem assim, e de modo sub-reptício incentivam, um cenário de vale-tudo informacional em busca de engajamentos, cliques, compartilhamentos, seguidores etc. O objetivo é capturar e manter a atenção dos receptores, eles próprios consumidores e produtores da informação ao mesmo tempo.
Como no passado, o fascismo encontrou hoje seus meios de novamente penetrar no imaginário das pessoas pelo caminho da comunicação de massa. Da primeira vez, com Benito Mussolini na Itália, que no início colaborou com o crescimento do “Avanti” (jornal socialista, que de 20 mil passou a ter uma tiragem de 100 mil exemplares) até fundar seu próprio periódico, o “Il Popolo d’Itália”, este já alinhado aos ideais fascistas.
Ainda com mais sofisticação e radicalidade, Adolph Hitler, na Alemanha, sob o comando de seu ministro da propaganda, Joseph Goebbels, instrumentalizou os novos meios de comunicação para doutrinar o povo.
A comunicação para o surgimento e consolidação da ideologia nazista foi tão central que não por acaso, Goebbels, um dos ideólogos do regime, foi uma das figuras mais próximas do círculo íntimo do Fuhrer.
Nos dias de hoje, seja classificando como neofascismo ou protofascismo, com operadores como Steve Bannon, o estadunidense apoiador de Donald Trump e uma espécie de Goebbels da pós-modernidade, os processos e construções narrativos seguem princípios comuns com os de seus inspiradores do século passado.
Os estudiosos do nazifascismo apontam para alguns princípios gerais e leis básicas, que nortearam a comunicação do regime de Hitler. Pelo menos cindo deles seguem presentes nas narrativas contemporâneas construídas pela extrema-direita: simplificação e inimigo único, ampliação e desfiguração, orquestração, transfusão e unanimidade e contágio.
O primeiro, simplificação e inimigo único, prega que a boa propaganda política busca atingir apenas um objetivo de cada vez, concentrando o foco único por um determinado período. Não sem razão, a primeira acusação da qual os extremistas lançam mão é a do opositor ser “comunista”, não importa o quanto mais reducionista e distante da realidade isso possa ser. Pouco importa. Sem que seja preciso definir claramente o que é ser “comunista”, o senso comum o associa a algo negativo: simplificação.
Em segundo lugar, a lei da ampliação e desfiguração. Diante de um caso específico, seu sentido e alcance são extremamente exagerados e seus sentidos modificados ou desfigurados. Por exemplo, “a democracia está ameaçada”, “é preciso salvar o país do comunismo” ou “estamos em plena ditadura da toga” são comuns nas redes sociais extremistas. Mesmo que, a rigor, não haja nenhuma ameaça visível comunista ou ditadura do poder judiciário e a única ameaça ao regime democrático parta, justamente, de quem afirma defendê-la, caso da tentativa de golpe em 8 de janeiro do ano passado.
Na lei ou princípio da orquestração, a mensagem deve ser obstinadamente repetida em vários canais e emissores, sempre a partir de um mesmo eixo narrativo. Assim, a defesa do meio ambiente torna-se “coisa de comunista”, o mesmo valendo para defensores da causa feminista, direitos humanos, sociais e trabalhistas, entre outros assuntos.
Pela lei da transfusão, trata-se de aproveitar um substrato do imaginário já existente para readaptá-lo à atualidade. Novamente, o caso do anticomunismo é exemplar. Com a disseminação de que “comunista come criancinhas” até a divisão dos cômodos da casa com os mais pobres, desde o século passado a ameaça comunista vem sendo reapropriada como discurso contra o campo progressista.
No caso da lei da unanimidade e contágio, primeiro demonstra-se que há um consenso em torno de determinada ideia. E, a partir disso, busca-se “contaminar” aqueles que ainda não estão convencidos e atraí-los para a adesão a determinada ideia ou opinião. O discurso religioso neopentecostal é exemplar neste sentido e, por isso, sua estrutura formal é tão próxima do discurso radical da extrema-direita.
É na linha do que defende a teoria do interacionismo simbólico, de Herbert Blumer, da Escola de Sociologia de Chicago. De forma bastante resumida, Blumer sinaliza que em uma coletividade o indivíduo tende a seguir a opinião da maioria para não se sentir excluído. Mesmo que, num primeiro momento, ele não seja totalmente aderente àquela ideia.
Embora alguns setores da sociedade ainda resistam a nomear as coisas pelo que realmente são, a realidade aponta que os preceitos do fascismo – ou neofascismo ou protofascismo – voltaram a estar presentes com maior intensidade neste momento da nossa história do presente. Portanto, é preciso clareza para identificar o inimigo, suas armas e artimanhas para poder enfrentá-lo.
Não é pessimismo apontar que, assim como no passado, o cenário atual é favorável aos extremistas. Desimpedidos de atuar, seguem divulgam suas posições que, para muitos, não deixam de ser sedutoras. Como na conhecida frase de Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Mas assim como a sociedade anteriormente soube derrotar os adversários da democracia, ela vai vencê-los novamente. Porém, enquanto não se assumir que é preciso urgentemente regular os novos meios de comunicação e punir com rigor a quem, sob o falso argumento da defesa da liberdade, conspira contra essa mesma liberdade, o fascismo ainda tem muito espaço para avançar.