Diz o ditado: Em casa que falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão. A inegável a ‘muquiranice’ da política econômica brasileira é uma face indiscutível da realidade. A necessidade de pagar juros sobre a dívida pública faz como que sobre pouca coisa para a execução de políticas públicas. Essa é uma característica inegável da execução de políticas públicas acentuada em estados ou municípios. Entretanto, a realidade da gestão não contribui para projetos que permitam o acesso aos recursos que já são disponíveis. De fato, há disponibilidade de recursos nos Ministérios, fundos federais e estaduais, recursos internacionais ou mesmo emendas parlamentares. Sem projetos, os valores são distribuídos por critérios clientelistas e às vezes chegam a acumular-se sem destino satisfatório. A necessidade de dotar as administrações para acessar estes recursos de maneira organizada é certamente um elemento que melhoraria a gestão pública.
Preliminarmente é preciso dizer que a busca por recursos isolados não resolverá nenhum dos problemas estruturais do país. Há recursos disponíveis para diversas finalidades que precisam de destinação adequada. Entretanto, somente políticas abrangentes e com objetivos estratégicos claros podem dar cabo dos problemas de desenvolvimento do país. Mesmo assim, os projetos isolados ainda podem ser soluções de problemas pontuais e exemplos que podem fazer parte de políticas abrangentes. Neste sentido, é importante prestar atenção a esta modalidade de execução das políticas.
Um dos aspectos mais marcantes da gestão pública é certamente a inércia em suas ações. Esta característica é muitas vezes confundida com algum tipo de imobilismo, mas não é o caso. As práticas tendem a se perpetuar ao longo do tempo por diversos motivos. Por um lado, pessoas responsáveis não se sentem à vontade em fazer experiência com recursos públicos, por questões legais ou éticas. Além disso, novas práticas demandam energia para a implantação e, por esse motivo, frequentemente são abandonadas pela lógica de que ninguém vai ser cobrado por fazer o que já está sendo feito. Outro aspecto, é que há sempre o risco de que determinada ação não dê o resultado esperado e a culpa recaia sobre qualquer pessoa. Em última análise, os cortes de pessoal, que a visão geral acha ser impossível, mas não se trata de exonerar servidores. Na visão comum, qualquer pessoa que não está fazendo uma atividade repetitiva é considerada inútil e, portanto, pode ser dispensada. Todos esses elementos contribuem para que na administração pública haja poucos projetos.
Desta forma, a visão de que os servidores públicos são simplesmente acomodados é, de certa forma, desfeita. Na verdade, o ambiente é bastante inseguro para práticas inovadoras. Esta característica é amplificada pela designação de pessoas pouco preparadas para a gestão dos recursos mais importantes dadas as situações políticas. Geralmente bem intencionados, também ao contrário do que se pode pensar, os indicados frequentemente tem ideias inviáveis. Algumas já tentadas sem sucesso, na administração pública quase sempre alguém já tentou de tudo, e outras simplesmente incabíveis. Outra característica dessas pessoas é a efemeridade de suas posições, tendo que mostrar os resultados em pouco tempo. No geral, os projetos nascem e são executados como ações individuais ou de grupos específicos que resolvem enfrentar essas dificuldades por motivos diversos.
Esses elementos combinados tendem a gerar projetos pouco fundamentados ou em muitos casos à completa falta de projetos. Essa ausência é um prato cheio para o clientelismo. Sem uma investigação adequada das necessidades o critério utilizado para a destinação de recurso é apenas político. Afinal, ninguém vai deixar de dar dinheiro a um amigo porque um desconhecido está pedindo para a mesma finalidade com os mesmos argumentos ou, em alguns casos, sem nenhum argumento. Somente se houver a comprovação de que o recurso trará resultados se pode fazer algum juízo de valor sobre a destinação.
O cenário que se quer descrever representa a contraposição da administração pública como entidade permanente e os interesses políticos dos governos como transitórios. De um lado o dia a dia da execução das políticas públicas mais abrangentes que toma muito tempo de servidores e requer muito recurso. Do outro a necessidade de resultados diferentes e em quantidade que permitam o reconhecimento dos indicados ou respostas para problemas pontuais. Esse conflito gera pouco espaço para a formulação de soluções planejadas.
Essa parece representar a situação geral em que as diversas organizações da administração pública se encontram. Pensa-se sempre na solução de grandes problemas com obras grandiosas ou políticas abrangentes. Entretanto, a tarefa de gerenciar e regular as diversas atividades econômicas são as mais comuns. Nesse sentido, os Ministérios federais delegam aos governos estaduais ou municipais ações que não tem capacidade logística para realizar. Frequentemente essa delegação vem com a disponibilização de recursos através de convênios.
Os convênios são firmados através da assinatura de acordos entre os ministérios e os executivos estaduais ou municipais. Esses acordos baseiam-se em planos de trabalho que descrevem o escopo das atividades a serem realizadas ao longo do acordo e os recursos necessários com cronograma de execução. A formulação deste tipo de documento requer bastante planejamento e algum tipo de conhecimentos técnicos em diversas áreas. Mais que isso, é necessário pesquisar quais ministérios disponibilizam recursos para quais áreas e como enquadrar as atividades. Além disso, ajustes relativos à burocracia de cada pasta podem impedir a assinatura de um acordo. Por fim, uma viagem para conhecer diretamente os servidores envolvidos nos ministérios sempre ajuda.
Para se ter uma ideia dos valores, desde 1996, segundo o portal da transparência[1] o governo federal formalizou 585.496 em um total celebrado de R$ 606,54 bilhões, em projetos médios de R$ 1,036 milhão. Ainda que uma parte significativa dos recursos seja distribuído para atividades na área de saúde (19,4%) e educação (8,0%) diversas iniciativas no Ministério das cidades (14,8%), Ministério do Desenvolvimento Regional (12,1%) e Ministério da Assistência Social (11,3%) também são apoiadas. Outras atividades ainda respondem por 34,5% do volume. Dito de outra forma, há disponibilidade de recursos para diversos tipos de projeto em que haja proposta viável.
Desse volume, foram liberados R$ 395,84 bilhões, ou 65,3% do total celebrado. Certamente uma parte desses recursos não foi liberado pelo contingenciamento recorrente dos repasses em nível federal. Entretanto, outra parte se refere a incapacidade de execução por parte das entidades que recebem os recursos. Neste ponto, chegamos a outra limitação das administrações que é a execução dos planos de trabalho.
Se os problemas de formalização de projetos esbarram no dia a dia das administrações menores, a execução é igualmente difícil. Por um lado, há poucos estímulos para os servidores deixarem suas atividades cotidianas para realizar um projeto novo, por melhor que seja. Afinal, ao contrário do que se pensa, há cobranças para que as atividades cotidianas sejam realizadas, tanto por parte dos gestores quanto por parte da população. Ademais, em muitos casos o horizonte de resultado dos projetos é mais longo que o prazo das indicações dos gestores. Assim, estes ficam mais preocupados em mostrar como resultados a simples formalização das parcerias que seus resultados efetivos.
Um outro elemento ligado à execução refere-se à prestação de contas. Os planos de trabalho, principalmente caso contenham recursos para custeio de ações cotidianas, frequentemente preveem atividades de dificílima comprovação de execução. Na verdade, essas atividades são delegadas às gestões descentralizadas justamente por sua dificuldade logística. Por um lado, esta situação gera uma desconfiança por parte das entidades que liberam recursos, afinal, podem facilmente ter sua prestação manipulada. Em contrapartida, em alguns casos a constatação de execução é difícil por parte dos realizadores. Como resultado, opta-se pela simples não execução da atividade, uma vez que é mais fácil justificar a não execução do que cumprir a burocracia da prestação de contas. Tudo combinado, tem-se uma situação em que alguns projetos em parte não são executados. Parados, esses recursos representam um ônus significativo para a sociedade pois não atendem a destinação para a qual foi proposta e inviabilizam outra aplicação.
Dito tudo isso, ao longo dos anos houve uma evolução significativa na gestão deste tipo de projetos. As entidades estaduais e municipais em alguns casos já se organizam para esta modalidade de atração de recursos, com secretarias ou subsecretarias específicas. Diversos fóruns de trocas de experiências também existem para que esses temas sejam debatidos. Consórcios de municípios e associações entre Estados também melhoram a capacidade dessas entidades de buscar recursos. Por outro lado, as entidades que concedem os recursos auxiliam na elaboração de projetos e padronização de práticas. Ou seja, há um claro caminho percorrido com soluções para as dificuldades.
Essas modalidades de organização esbarram em alguns dos mesmos problemas que a elaboração e execução de projetos. Nesse sentido, frequentemente dependem de pessoas ou grupos que lideram este tipo de iniciativa. Assim, a continuidade das iniciativas depende do destino da turma que a propôs. Da mesma forma, a sequência da concessão dos recursos também pode se modificar, caso haja mudanças políticas.
Mais do que elencar as dificuldades de proposição, obtenção de recursos e execução de projetos, é importante indicar soluções. As dificuldades de pessoal que são comuns às administrações municipais e algumas entidades das estaduais parecem não ser problema para o legislativo. Qualquer deputado conta com diversos assessores, em número e remuneração adequados, para questões do dia a dia e que poderiam auxiliar as entidades administrativas pelo menos na formulação de projetos. No caso dos legisladores federais, por uma extravagância da execução programática do orçamento brasileiro possuem a possibilidade de indicar recursos diretamente. Os entes estaduais, geralmente com mais recursos que as municipalidades, também tem condições de fortalecer equipes para este tipo de atividade. Além disso, ações de iniciativas organizadas entre municípios e estados também podem trazer resultados satisfatórios.
Amarrando todas as pontas, é importante perceber que no deserto de recursos disponíveis para a execução de políticas públicas, ainda há desperdício. Isso ocorre por dificuldades nas organizações que podem ser sanadas com iniciativas que já apontam o caminho.