Populismo. Um conceito mais ou menos geral para populismo, comumente aceito entre estudiosos desse fenômeno político, pode ser resumido na perspectiva simplista de que há o povo, sempre e integralmente bom, e uma elite política, essencialmente corrupta. O líder que se enquadra no preâmbulo desse conceito é justamente aquele que se diz exceção à regra, ou seja, é o indivíduo que, tão puro quanto o povo, pode finalmente promover a ligação entre as massas e o poder, formatando – nos limites de toda romantização – a arquitetura de um ideário do povo e para o povo.
Embora a síntese acima não dê conta do complexo labirinto de variações e, principalmente, das singularidades geopolíticas que moldam o populismo, intuo que seu miolo é tanto um bom start para novas discussões – como as promovidas aqui em A Vírgula – quanto, ainda, uma definição imprecisa. Explico: se populista é aquele líder que promete finalmente fazer a ligação entre demos e poder, simplificando as adjetivações que acompanham tanto as massas quanto as elites políticas, por outro lado também pode ser uma difícil generalização para fins práticos. Afinal, qual liderança deixa de se vender como a encarnação da diferença num ambiente comumente associado à corrupção? Pois é.
Principalmente em cenários polarizados, como é o nosso, fica difícil ensaiar uma resposta para a pergunta acima sem esbarrar nos limites de nossas pré-compreensões. Claro. Se parece sensato concluir que nem todos os atores políticos são populistas; também parece coerente admitir que a própria generalização flerta com a distinção simplista do discurso avesso à política, esboçando elites más e massas puras. Como sair disso? A armadilha talvez se desfaça com um complemento de traço jurídico ao conceito: o populista, que se pressupõe a diferença entre pares corruptos, promete promover a ligação entre o poder e o povo rompendo com os limites impostos – se preciso for – pela própria Constituição.
Nada mais sedutor e, ao mesmo tempo, perigoso. Sedutor porque a democracia fica resumida à noção de vontade geral. Pelo traço absoluto dessa perspectiva, o populismo não admite, por óbvio, obstáculos, como imprensa ou Judiciário, por exemplo. A vontade é, afinal, geral. Justamente por isso, porque não se sujeita à prestação de contas, o populismo também é perigoso. O contramajoritarismo, ou seja, a observação aos limites constitucionalmente impostos a maiorias eventuais, não combina com sua emergência, como mostra o amplo catálogo de episódios recentes – e frequentes – tanto no Brasil do 8 de Janeiro quanto nos EUA do Capitólio invadido.
Por outro lado, se os limites e os riscos ficam assim evidentes em relação à democracia, o ideário republicano também parece restar abalado. Claro. Se o perfil desvelado pelo conceito converge para a refratariedade a toda forma de accountability, seu esboço também pressupõe um forte caráter delegativo na política. Se o líder veste o povo, encarnando-o, e seu ofício corresponde a aproximá-lo do poder, convenhamos: também há, na sua prática, poucos espaços para a participação pública na construção da igualdade e da liberdade, anabolizando uma certa crise antropológica na contemporaneidade, não de hoje denunciada por um dos colunistas de A Vírgula, Jose Luis Bolzan de Morais.
Como se vê, o exercício populista, em boa medida incompatível com as práticas democrática e republicana, alinha-se a uma postura pouco institucionalizada, justificada no seu discurso pela necessidade de aniquilação da velha – e sempre má – arquitetura política, em tese, incapaz de entregar bons resultados. É a conhecida armadilha da Falácia do Nirvana, que insiste em comparar o melhor das idealizações ao pior do chão duro da vida. Como isso se relaciona com o populismo, na especificidade brasileira?
Assunto para a próxima coluna. Com exemplos.