Em outubro, o eleitorado irá às urnas para escolher a totalidade dos prefeitos e vereadores dos 5.568 municípios brasileiros. É uma eleição focada nos assuntos locais, sem perder a dimensão mais ampla, haja vista a complexidade dos temas, e força os municípios a manterem relações de cooperação com os governos dos Estados e da União. Pela tradição brasileira, as atenções acabam sendo voltadas para as candidaturas a prefeito, os responsáveis diretos pelo Executivo Municipal, ficando os vereadores numa posição mais opaca diante dos olhos do eleitorado.
Dos candidatos a prefeito é exigido o conhecimento sobre a cidade, seus problemas, seus desafios e suas propostas para o desenvolvimento, o mesmo não acontecendo com os candidatos a vereador. Estes são dezenas ou centenas, um quantitativo que chega a confundir o próprio eleitorado na hora da escolha de seu candidato.
A campanha para uma vaga nas câmaras municipais pode ser considerada a mais difícil de todas as que integram as eleições para cargos proporcionais no sistema representativo brasileiro. Além do número enorme de candidaturas, os recursos financeiros necessários para as campanhas acabam sendo inferiores às reais necessidades da maioria dos candidatos, o que acaba por interferir no sucesso de seus projetos eleitorais.
Prevalecem, sempre, as candidaturas com lastro junto à máquina administrativa e aquelas de grande apelo popular em razão da atividade profissional ou do trabalho social que a pessoa desempenha, além das lideranças religiosas e daquelas oriundas dos operadores de segurança pública, grupos que vêm crescendo de forma exponencial ao longo dos últimos anos.
Se do candidato a prefeito é exigido um conhecimento quase que enciclopédico sobre a cidade, o mesmo não se pede daqueles que pleiteiam uma vaga no Legislativo Municipal. Isso empobrece em muito o processo de escolha dos representantes legislativos municipais, que não são questionados de forma aprofundada sobre os problemas da cidade e sobre suas propostas para a solução dos mesmos. Nas últimas décadas, de forma positiva para a política, tem havido uma mudança no perfil das candidaturas à vereança, com a participação maior de pessoas com um pensamento mais qualificado, sintonizado com as grandes questões do nosso tempo, o que contribui para a melhoria dos trabalhos do Legislativo e de sua produção.
Mas, sem ilusões, persiste, em sua maioria, um tipo de representação formada por pessoas formadas pelas gramáticas políticas do clientelismo, do assistencialismo e do adesismo ao governo municipal de plantão, o que enfraquece a representação parlamentar e, por óbvio, a população, que deixa de contar com um legislativo atuante na defesa de seus interesses, mais preocupado na execução de um conjunto de práticas retroalimentadoras de um conjunto de vícios que corroem a própria representação parlamentar.
O uso massivo das redes sociais, uma prática cada vez mais comum, vem permitindo que novas lideranças políticas despontem no cenário, se façam conhecer, bem como as suas propostas, e se disponham a disputar o cenário político a partir de suas propostas, e não dos benefícios que possam gerar em razão do mandato que exerçam. É uma alteração lenta, mas que está em pleno curso, permitindo uma democratização e uma maior abertura do cenário político.
A contaminação desse cenário pela polarização calcificada e radicalizada é um complicador dos mais perigosos, pois se pode gerar a democratização a partir da expressão de novas lideranças, pode, também, via o populismo e a manipulação das emoções, conduzir o eleitorado a expressar seus sentimentos mais conservadores e reacionários, como observamos em boa parte do ocidente na atualidade, inclusive no Brasil. Mas isso é história, e deve ser enfrentado pela luta entre as diversas forças e suas ideias, sabendo que o radicalismo sempre conseguirá, em razão do apelo populista, alavancar um maior número de adeptos.
No caso das eleições municipais, ao se focar toda a atenção nas cidades e nas complexas teias que as ligam entre si e aos demais entes que integram a federação, estamos vivenciando o experimento de construção da democracia no Brasil. A composição das câmaras municipais, por exemplo, vem mudando muito ao longo das últimas décadas, refletindo o caráter prismático da organização de nossa sociedade. Falta ao eleitorado uma maior atenção ao seu voto para vereador, buscando qualificá-lo e, desta forma, o Poder Legislativo de sua cidade.
As câmaras estão, ainda que de forma lenta, se transformando em espaços de discussão das questões da cidade, abandonando o antigo papel de poder encarregado de chancelar os atos do prefeito. Este ainda controla a maioria de seus membros, mas já existem núcleos fortes e organizados de vereadores dispostos a não aceitar essa relação de submissão, o que representa um grande avanço para o município, que passa a contar com o empenho de seus vereadores na construção de uma cidade melhor, mais justa, desenvolvida e com um modelo de governança pautado na qualidade, nos princípios republicanos e na promoção dos direitos da cidadania.
É importante prestar atenção nas propostas dos candidatos às prefeituras, mas não podemos perder de vista o valor e a importância de escolher bem nossos vereadores.