A mobilização da sociedade brasileira, que agora se inicia em torno das eleições municipais, traz à agenda nacional questões cruciais para as cidades. Uma delas, talvez subestimada, é a temática do financiamento público a partir de uma pauta abrangente e desenvolvimentista. Esta é uma questão estratégica para as futuras organizações administrativas, para suas regiões e também para as populações que nelas residem e trabalham. Evidentemente que são incontáveis os desafios que se impõem para todos aqueles que pleiteiam atuar na gestão dos municípios, bem como para as suas casas legislativas e para os governos dos estados onde estão localizados.
A partir deste recorte específico no contexto das imensas complexidades da gestão municipal, podemos evoluir o pensamento e a observação para esta questão fundamental e urgente, que exige o moderno e adequado manejo dos recursos financeiros públicos e sua aplicação em prol do desenvolvimento social, econômico, cultural, ambiental e humano no âmbito regional e localizado, considerando o perfil e as características de cada unidade geográfica e administrativa. O eficiente e satisfatório gerenciamento financeiro das cidades pressupõe o desenvolvimento de uma visão moderna, inclusiva e planejada acerca do aproveitamento sustentável dos recursos públicos disponíveis para alocação nas mais diferentes áreas de interesse da população.
Assim, novos modelos de governança se impõem como metas a serem alcançadas, de modo a otimizar a captação dos investimentos necessários. Para tanto, urge que as cidades se organizem a partir da identificação detalhada de demandas e a construção de projetos com potencial e escopo técnico para sua plena execução. Não raro, assistimos a cenas recorrentes de que tal e qual município não recebeu recursos para investimentos públicos em diferentes setores por absoluta ausência de projetos; e, o que é mais grave, com declarada e assumida incapacidade para superar as limitações e consolidar os processos necessários. Trata-se de um cenário inaceitável no contexto das múltiplas carências das cidades, urbanas e rurais, o que impacta fortemente o desenvolvimento e a qualidade de vida na maioria dos municípios. Ainda que em menor escala, também os governos de estado sofrem com esse desajuste estrutural em diferentes medidas.
Nesse ambiente de baixa perspectiva regional, vale ressaltar que os 78 municípios capixabas, uns mais outros menos, estão inseridos nesta sofrível realidade. Mesmo aquelas cidades com algumas potencialidades para a elaboração de projetos não conseguem alavancar investimentos potentes. De acordo com a Associação Brasileira dos Municípios (ABM), de 30% a 40% dos projetos de convênios entre as prefeituras e a União que são apresentados pelos municípios ao governo federal resultam rejeitados por insuficiência de qualidade técnica. Segundo a entidade, mais da metade dos municípios com até 20 mil habitantes – algo em torno de 70% das cidades – precisa recorrer a profissionais terceirizados para atuação eventual na elaboração de projetos.
Sem estrutura física, sem equipamentos tecnológicos e sem pessoal qualificado para a construção de projetos e planos de trabalho, os municípios não têm condições de estabelecer parcerias sólidas e consequentes para a consolidação de convênios e acordos de cooperação técnica, notadamente com o governo federal. A maioria das cidades, especialmente as pequenas e médias, fica dependente tão somente de recursos que são aportados via União e estados, a partir da definição constitucional e obrigatória que implica repasses regulares do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Tal realidade também emerge quando surgem oportunidades de parcerias para captação de recursos privados ou de instituições do terceiro setor.
A incapacidade técnica dos municípios poderá ser superada sim, e isto é fundamental, a partir da mobilização dos agentes públicos municipais, das comunidades e das entidades representativas da sociedade, no sentido de propor ao governo do estado que intervenha de forma assertiva para a criação de uma agência técnica regional, ou um escritório de projetos, ou que utilize a sua estrutura já existente, com equipes multidisciplinares conectadas aos novos processos, para que ofereça este suporte técnico às prefeituras, objetivando o permanente monitoramento de editais, identificação de demandas regionais, coleta e interpretação de dados municipais, análise de novos programas e os já existentes em plano federal e estadual, elaboração técnica de projetos e acompanhamento da sua execução.
Porém, distantes e impotentes, ou inertes diante das oportunidades e das ferramentas e canais existentes, os gestores municipais se entregam ao universo das supostas facilidades rápidas e às vezes oportunistas das emendas parlamentares – um fenômeno político nacional –, mesmo com todas as implicações político-financeiras e riscos que elas ensejam. Mas isto já é uma outra história…