FELIPE IZAR, MARCELO SIANO E LEONARDO QUARTO
Eleito em 2018 sob a onda conservadora, o senador Fabiano Contarato rapidamente se destacou no Congresso Nacional. O que assustou a muito de seus eleitores, no entanto, foi o fato de o delegado de polícia, em seu primeiro grande embate, ter contestado o então poderoso ministro da Justiça, Sérgio Moro, em junho de 2019.
Muitos esperavam que Contarato fizesse coro ao juiz da Lava-Jato e o conservadorismo. Ao contrário, discursou enfaticamente contra o seu agora atual colega de Senado: “Os fins não justificam o meio”, pontuou o senador capixaba, em unicidade às críticas de que Moro desenvolvera uma atuação maquiavélica e parcial.
Hoje, o próprio Contarato faz questão de afirmar, mesmo antes de receber a pergunta, que nunca enganou ninguém: “Fui eleito pela Rede, um partido de esquerda, com Marina Silva candidata a presidente”, ressalta.
De qualquer forma, muitos eleitores se dizem decepcionados com o senador, que se filiou ao PT 2021, neste período em que no Espírito Santo muitos militantes da esquerda têm migrado para partidos de direita, sob a crença pragmática de que uma onda conservadora dominou o Estado.
Segundo Contarato, ele foi muito criticado em sua escolha, inclusive dentro da própria família e por amigos. “Mas política não é espaço para covardia”, diz, reconhecendo o ônus eleitoral que pode tê-lo afetado.
“Você tem que ter personalidade. Eu fiquei quatro anos sendo atacado aqui no Estado e em todas as redes, sendo atacado na minha vida pessoal, na minha vida íntima. Sendo atacado com a exposição de fotos dos meus filhos. Mas eu me mantive firme aos meus ideais”, reforçou.
Contarato, que recebeu A Vírgula em seu gabinete em Vila Velha, na última quinta-feira, 2, também contou que, após o enfrentamento a Moro, recebeu ameaça de morte, o que não havia ocorrido em 27 anos como delegado. O senador também fez críticas ao próprio Parlamento, ao populismo penal e ao fato de a extrema-direita confundir “liberdade de expressão com a liberdade para a prática de condutas que não têm comprometimento com a verdade”.
Abaixo, leia os principais trechos da conversa e assista ao vídeo com a entrevista completa.
A Vírgula: Vivemos a tão falada polarização. E sabemos que ela continua firme e forte, como demonstra livros como Biografia do Abismo. Mas qual a análise do senhor de 2018 para cá? Mudou alguma coisa nas relações do Congresso?
Fabiano Contarato: Importante ressaltar que essa polarização não é exclusiva do Brasil. Ocorre em diversos países pelo mundo, como Estados Unidos, Itália. O problema é que hoje o grande desafio está na comunicação disso. O debate de rede social deve ser feito com responsabilidade, pois as pessoas confundem liberdade de expressão com a liberdade para prática de condutas que não têm comprometimento com a verdade. É isso que está em discussão no PL das Fake News, que Lira arquivou, infelizmente. O projeto é extremamente positivo porque ele não estaria cerceando a sua liberdade, mas se propõe a responsabilizar as big techs. Não é possível que essas empresas não tenham responsabilidade com conteúdo que é homofóbico, racista, nazista, sexista. O que mudou de 2018? O mandato de senador é longo, de oito anos. Então, o primeiro tempo desse mandato, com o ex-presidente (Jair Bolsonaro), foi de resistência a ataques sobre diversas pautas, como a ambiental. Bolsonaro criminalizou ONGs, proliferou o uso de agrotóxicos. Veja quantos ministros da Educação nós tivemos, sendo que um foi importado (Ricardo Vélez Rodríguez). Um outro ministro da Educação (Abraham Weintraub) incentivava os alunos a filmarem os professores em sala. Nó tivemos uma pandemia que matou 700 mil pessoas e só conseguimos a vacina depois da CPI da Covid. Não fosse isso, nós não a teríamos. Então, eu acho que essa polarização, infelizmente, tende a continuar porque são guerras de narrativas. Você tem que defender o óbvio. Eu fico extremamente perplexo quando as pessoas falam que você é de esquerda se você defende os direitos humanos, a universidade pública, o direito das mulheres, o instituto federal, os pretos, pardos, indígenas, quilombolas. Se isso é ser de esquerda, eu sou de esquerda.
No Espírito Santo, temos visto pessoas que sempre militaram em partidos de esquerda se filiando em siglas da direita, sob a crença de que o Estado foi tomado pelo conservadorismo. Como avalia esse movimento?
Eu acho que a política não é espaço para covardia. Você tem que ter personalidade. Eu fiquei quatro anos sendo atacado aqui no Estado e em todas as redes, sendo atacado na minha vida pessoal, na minha vida íntima. Sendo atacado com a exposição de fotos dos meus filhos. Mas eu me mantive firme aos meus ideais. Esse processo de desconstrução acontece não só comigo. Mas eu vi isso na CPI da Covid. Por exemplo, vários senadores se exaltavam na comissão. Mas nenhum deles foi chamado de descontrolado. Uma senadora (Simone Tebet) se exaltou e foi chamada de descontrolada. Ali também é uma Casa sexista. É uma Casa racista, preconceituosa. Então, quando você fala que as pessoas estão indo para outro campo, acho que falta essa personalidade mais forte. Eu fui eleito pela Rede Sustentabilidade, um partido de esquerda. E as pessoas falam: “olha, você nos enganou”. Não. A sigla era de esquerda, a candidata a presidente era a Marina Silva. Eu não mudei nada. Você vincular pelo fato de eu ser delegado de polícia…. Eu ia para dentro das prisões falar sobre a erradicação da tortura. Não confunda o policial como violador de direitos. O policial é garantidor de direitos. Algumas pessoas optam pelo caminho mais fácil. Digo isso poque quando eu saí da Rede e resolvi entrar no PT, eu fui criticado dentro da minha família, pelos meus amigos. Eu falei assim: ‘olha, é um partido que coloca o pobre no Orçamento e luta para diminuir a desigualdade’.
Como citou, em 2018 houve uma grande confusão em relação à eleição para o Senado. E ficou marcado um enfrentamento específico do senhor com o então ministro Sergio Moro. Como se deu esse episódio?
Em 27 anos como delegado eu nunca tinha sofrido ameaça de morte. Depois daquele enfrentamento, eu fui ameaçado de morte, no dia 19 de junho (2019). E naquele momento o ex-ministro da Justiça estava no auge. Eu pontuei com fatos que havia uma quebra daquilo que é mais sagrado no processo. Um juiz ser considerado parcial é o que há de mais grave dentro de uma democracia. Eu falei que os fins não justificam os meios.
O chamado populismo penal tem influência da extrema-direita?
Eu não tenho dúvida. Eu faço parte da Comissão de Segurança Pública do Senado… eles aumentaram a pena, inclusive o Sergio Moro, do estelionato, um crime praticado sem violência ou grave ameaça. A pena é de um a cinco anos. Eles aumentaram a pena para 19 anos. A pena do homicídio simples, para se ter ideia, é reclusão de seis a 20. Eu provoquei os senadores da direita ou da extrema-direita: por que nós, aqui, não aprovamos que corrupção ativa, corrupção passiva, concussão, crimes de sonegação fiscal passem a ser crime hediondo? Quando um político desvia verbas da Saúde, ele mata milhões de pessoas. Da Educação, ele mata o sonho de milhões de jovens.
No caso do PL das saidinhas, o senhor votou a favor e houve certa unicidade de direita e esquerda. Acha, de fato, ser uma medida efetiva? Entrevistamos muitos especialistas que condenam a proposta.
Eu agradeço a pergunta. Adoro quando me fazem esse tipo de questionamento porque eu não me furto de falar sobre as minhas convicções. E falo aqui novamente. Porque não é razoável. Você tem homicídio doloso no Brasil, com pena de seis a 20 anos. Vamos supor que uma pessoa foi condenada a nove anos. Com um sexto da pena ela já sai do regime. A cada três dias que ela trabalha, ela ganha um. Ou seja, se ela trabalha três anos, equivale ao cumprimento de quatro de pena. Com um terço da pena ela tem livramento condicional. No final do ano tem indulto e comutação de pena. E ainda você tem a saidinha que assegura 35 dias. Ou seja, uma pessoa que foi condenada por ter matado dolosamente outra pessoa… explica isso para a família da vítima. Desses nove anos, a pessoa fica pouco mais de dois presa. Isso não é razoável. Foi convicção por conhecer a realidade.
Como o senhor vai participar das eleições municipais deste ano?
Eu tenho tentado colaborar sempre que sou chamado. Acho que temos de fazer um movimento forte para eleger os vereadores, base de sustentação dos partidos. E ter candidatos na Grande Vitória: Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica.
Em 2022 o senhor foi colocado como pré-candidato ao governo do ES. Mas depois foi retirado em favor de uma aliança nacional que contemplava Renato Casagrande. Em 2026, se coloca como candidato à reeleição no Senado ou pretende mudar os rumos?
Olha, eu estou à disposição do partido. Se o partido disser que precisa de alguém para ser candidato ao governo do Espírito Santo, eu vou estar ali. Do mesmo modo se o ideal for a reeleição: eu também vou com bastante boa vontade.