O IBGE detectou que a taxa de sindicalização da classe trabalhadora brasileira caiu pela metade, entre 2012 e 2023 . E foram menos 713 mil pessoas sindicalizadas de 2022 para o ano passado, queda de 7,8%. Os dados foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) sobre as características do mercado de trabalho, divulgada no dia 21 de junho.
Esse dado se reflete, de forma direta, na organização do movimento popular, especialmente das organizações dos trabalhadores e, consequentemente, no apoio ao terceiro governo do presidente Lula (PT). Lula e o PT nasceram politicamente nas lutas populares e naquelas do movimento sindical, especialmente as dos metalúrgicos do ABC paulista, na década de 1970.
Ele presidia o Sindicato de São Bernardo do Campo e comandou greves que lhe deram, em plena ditadura civil-militar, uma projeção nacional e internacional. A formação do PT foi resultado da aliança entre sindicalistas, grupos políticos de esquerda, intelectuais, militantes católicos e setores da classe média.
Ao longo dos anos, a partir do início da Nova República, o movimento sindical foi se organizando de forma livre, retirada as restrições impostas pela ditadura civil-militar. Paralelamente, os conflitos internos entre as diversas forças que o integram se acentuaram, levando a criação de diversas centrais sindicais, cada uma delas representando uma corrente de pensamento político-ideológico.
As grandes jornadas de luta sindical foram sendo enfraquecidas por motivos os mais variados, em especial a partir dos anos 1990, paralelamente ao domínio das suas estruturas por uma burocracia que visa mais a perpetuação do poder que os avanços das conquistas da classe trabalhadora. Eram os tempos de implantação do neoliberalismo e suas consequências, em especial a desmobilização, se fizeram sentir no movimento sindical brasileiro.
Mesmo desmobilizados, se comparados ao que foram em momentos anteriores à década de 1990, os sindicatos sempre foram e serão um forte instrumento de pressão da classe trabalhadora. Lula, em seus dois primeiros governos (2003-2010), soube valer-se de suas raízes históricas para transformar a classe trabalhadora em um vetor de pressão sobre seus inimigos políticos.
No atual governo, iniciado 13 anos após ter descido a rampa do Palácio do Planalto, o presidente está ciente de que houve uma mudança, para pior, em todo o cenário brasileiro. No tocante ao movimento sindical, ele tem um aliado enfraquecido nas lutas que precisa travar contra um Congresso que não tem maioria e uma oposição de extrema-direita.
Em momentos nos quais a mobilização popular se impõe como fundamental para o avanço de sua agenda política, o presidente se vê sem o apoio de organizações sólidas, cada vez mais minguadas em números de filiados, o que poderá ser um dificultador para o sucesso de suas estratégias. Mas isso, esse desmonte do sindicalismo brasileiro, foi um projeto meticulosamente pensado e executado.
A diminuição do número de sindicalizados era um dos propósitos da chamada Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, durante o governo do presidente Michel Temer (MDB), e que teve o então senador e hoje vice-governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço (MDB), o seu relator. Essa reforma, juntamente com outras medidas adotadas desde os anos 1980, tinha por objetivo alterar a organização do mundo do trabalho no Brasil, adaptando-o às transformações que a dinâmica neoliberal vem impondo a toda a sociedade.
Ela introduziu profundas alterações no texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma legislação promulgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1943, durante a ditadura do Estado Novo. Inspirada na legislação homônima da Itália fascista, a CLT era uma resposta do Estado a um Brasil em transformação, que começava a se urbanizar e a se industrializar, com uma classe trabalhadora cada vez mais numerosa e organizada, que, na visão oficial, carecia tanto da interlocução, quanto do controle. Foi, sem dúvida, uma legislação avançada para o Brasil, que não possuía, até então, nada parecido, o que assustou os setores sociais dominantes.
As grandes transformações econômicas e sociais que deslancharam a partir da década de 1950, mudaram de vez a face do Brasil, em um processo de urbanização e de industrialização dos mais acelerados de todo o ocidente. A organização da classe trabalhadora em sindicatos, com todos os problemas internos que uma instituição possui, contribuiu para o avanço no reconhecimento de direitos e na melhoria dos níveis de renda. Em 2017, uma intensa campanha de mídia, associada a uma burocratização e a um envelhecimento da ação sindical, permitiram que a reforma trabalhista fosse aprovada sem grandes conturbações.
Seus autores calcularam politicamente, sabendo incorporar no texto as novas formas de organização da classe trabalhadora, que se baseiam a na autonomia do indivíduo, na sua relação direta com as plataformas tecnológicas e na sua aceitação da condição de empreendedor, isso tudo desprezando o mundo formal do trabalho instituído pela CLT e aprimorado ao longo das décadas seguintes a 1943, inclusive durante a ditadura civil-militar de 196-1985.
Souberam os arquitetos da reforma trabalhista, há muito planejada, valerem-se das deficiências que os sindicatos apresentavam, das transformações já em curso e da sua incapacidade de absorvê-las ou entende-las, para criar uma narrativa, eficaz, de que os mesmos são dispensáveis para o trabalhador e, mesmo, um empecilho ao pleno desenvolvimento de suas capacidades empreendedoras e produtivas. O “tiro de misericórdia” veio com a extinção do imposto sindical, uma medida antipática, como o são todas aquelas que sequestram, na fonte, parcelas dos ganhos em benefício de uma instituição ou do Estado.
Esse sequestro se dá sobre os vencimentos da classe trabalhadora, que vem perdendo poder aquisitivo há mais de dez anos, tornando qualquer subtração nos ganhos, por mais meritória e explicável que seja, um elemento a ser rejeitado com o auxílio de narrativas de cunho populista que enfatizam a necessidade de não se tocar nos ganhos de quem trabalha, sem, entretanto, se discutir sob que condições se trabalha.
Era preciso quebrar, de vez, o que ainda restava de sólido na organização sindical da classe trabalhadora brasileira, e assim foi feito em 2017, repetindo a experiência histórica do Reino Unido durante o governo da Primeira-Ministra Margareth Tatcher (1979-1990), uma das primeiras grandes lideranças conservadoras a enfrentar o desafio de reverter a ordem calcada no bem-estar social, fruto do período pós-Segunda Guerra Mundial, e que se alastrou por boa parte do ocidente, em estágios e momentos diferentes.
É interessante observar que a reforma trabalhista, pródiga em normas que contribuem para a desmontagem dos sindicatos e para a perda de suas condições objetivas de representatividade, em momento algum, nem mesmo em outra legislação, alterou a organização sindical e as contribuições pagas aos sindicatos patronais, que permanecem cada vez mais fortes e influentes em todo o processo decisório brasileiro.
Há um dado da pesquisa do IBGE que chama atenção: o aumento do nível de instrução da classe trabalhadora brasileira. Segundo a pesquisa, comentada pelo jornal O Globo , edição de 22 de junho, “23,1% (23,2 milhões) tinham ensino superior completo no ano passado. Há 11 anos, eram 14,1%”. Esse aumento do nível de instrução da classe trabalhadora não corresponde, necessariamente, a melhoria dos níveis salariais, exatamente em razão das mudanças introduzidas pela reforma trabalhista de 2017, que celebrizou a chamada “uberização” do mercado de trabalho.
A mesma pesquisa, segundo O Globo, indica que “houve redução da parcela de trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto, que caiu de 32,6% em 2012 e 20,1% em 2023.” A criação de cursos superiores em larga escala, a partir do início deste século, e crença de que uma formação profissional qualificada em qualquer área, permitiram uma melhoria das condições de vida e de salário, moveu milhões de trabalhadoras e de trabalhadores rumo ao ensino superior.
Agora, com um mercado de trabalho cada vez mais seletivo, as formações acadêmicas generalistas vão perdendo importância, na exata proporção do aumento pela procura de profissionais especializados nas áreas fins dos diversos ramos das cadeias econômicas. É um sinal do mercado de trabalho para a sociedade e a academia, numa formação cada vez mais utilitarista e voltada para o desenvolvimento dos negócios aos quais estão ligados na condição de empregados diretos, terceirizados ou prestadores de serviços em regime precário.
De uma forma geral, a pesquisa do IBGE deixa claro que os sindicatos dos trabalhadores e das trabalhadoras precisam passar por uma profunda reengenharia ou, mesmo, reinvenção, expurgando seus vícios e reconstruindo seus laços de representatividade junto às bases. Não é tarefa fácil, pois há todo um imaginário a ser alterado, seja do sindicato, seja da classe trabalhadora fortemente influenciada pelas narrativas e pelo desejo de empreender sem restrições. Segundo IBGE, a Reforma Trabalhista de 2017, que criou modelos de trabalho mais flexíveis, e o uso crescente de trabalhadores temporários na administração pública são fatores que explicam a queda na parcela de sindicalizados num momento em que o emprego formal está crescendo.
Os dados estão aí, e devem ser analisados e discutidos com responsabilidade e profundo respeito. Não há como voltarmos a 1943, mas as organizações sindicais da classe trabalhadora podem, e devem, criar estruturas menos burocráticas e rígidas.