A obra do psiquiatra, psicanalista e professor francês, Christophe Dejours, é reconhecida por suas contribuições à saúde ocupacional. Dejours é autor de diversas obras importantes que abordam a psicodinâmica do trabalho e a saúde mental no ambiente laboral. Suas obras, como “Travail: Usure Mentale (Trabalho: Desgaste Mental)” e “Souffrance en France: La Banalisation de l’Injustice Sociale” (Sofrimento na França: A Banalização da Injustiça Social), destacam como o trabalho pode ser uma fonte de prazer ou sofrimento psicológico e como as condições de trabalho injustas se tornaram normais na sociedade.
Neste artigo, será destacado da obra de Dejours, a teoria da psicodinâmica do trabalho, que examina os processos psicológicos envolvidos nas atividades laborais e como estas afetam a saúde mental dos trabalhadores. Sob o corpo dessa teoria, pretende-se trazer uma resposta à seguinte questão: é possível não sofrer no trabalho?
A psicodinâmica do trabalho, além de ser tratada como uma teoria, traz consigo a possibilidade de ser entendida como um campo de estudo que investiga as interações entre os processos psicológicos e as atividades laborais, com o objetivo de entender como o trabalho impacta a saúde mental dos trabalhadores. Nesse sentido, desvela dimensões do trabalho e suas implicações na vida dos indivíduos. Neste artigo serão instrumentalizadas três dessas dimensões: sofrimento no trabalho; papel das organizações; reconhecimento e realização.
O sofrimento é uma dimensão fulcral para a psicodinâmica do trabalho, refere-se aos impactos psíquicos negativos que os trabalhadores experimentam devido a condições laborais adversas. Este sofrimento pode manifestar-se de diversas formas, entre elas, estresse crônico (Burnout), ansiedade e depressão. As causas desse sofrimento envolvem a organização do trabalho, a cultura organizacional, a falta de reconhecimento, a sobrecarga de tarefas, a pressão por resultados, e a ausência de autonomia.
Adicionalmente, ambientes de trabalho tóxicos, caracterizados por práticas de gestão permissivas a comportamentos antiéticos que levam a relações interpessoais conflitantes, podem exacerbar o sofrimento. Sob esse entendimento, o sofrimento psíquico, portanto, não deve ser visto apenas como uma questão de saúde individual, mas como um sintoma de problemas estruturais e organizacionais que requerem atenção e intervenção para promover um ambiente de trabalho mais saudável e justo.
O papel das organizações, no que se refere a saúde mental dos trabalhadores, trata-se de uma dimensão determinante que abrange diversos aspectos que vão além do simples dimensionamento e distribuição de tarefas individuais. A cultura que permeia a organização e as práticas de gestão adotadas podem ter um impacto profundo no bem-estar psicológico dos trabalhadores.
Por exemplo, organizações que valorizam a transparência, incentivam o desenvolvimento profissional e promovem um ambiente de trabalho inclusivo tendem a cultivar um clima de confiança e colaboração. Em contrapartida, ambientes laborais nos quais predomina a competição desleal, a obtenção de privilégios por meio de assimetria informacional e a ignorância do princípio de igualdade de direitos e de tratamento entre os indivíduos (isonomia), acabam por criar um ambiente conflitoso, propício ao esgotamento emocional. Investir na promoção de em uma cultura organizacional que valorize relações de trabalho justas e saudáveis, não apenas fortalece a saúde mental individual, mas também contribui para um ambiente de trabalho mais produtivo, criativo e sustentável a longo prazo.
A necessidade de reconhecimento e realização pessoal é uma dimensão da psicodinâmica do trabalho, diretamente ligada à motivação e satisfação. Quando os trabalhadores se sentem reconhecidos por seus esforços e habilidades, seu senso de pertencimento e importância na organização aumenta. Em contrapartida, a falta de reconhecimento ou a percepção de injustiça em sua aplicação geram sentimentos de desvalorização, levando ao desengajamento.
Sob esse mesmo sentido, a realização pessoal, percebida através de um trabalho com significado, é vital para a saúde mental. Nessa direção, para promover um ambiente de trabalho saudável, as organizações devem proporcionar reconhecimento justo e honesto, garantindo oportunidades de realização pessoal de forma isonômica. Isso melhora o bem-estar dos indivíduos, além de aumentar a produtividade e a lealdade à organização.
Após a compreensão das dimensões da psicodinâmica do trabalho, os gestores organizacionais adquirem uma visão aprofundada das dinâmicas psicológicas que ocorrem no ambiente laboral. Esta compreensão permite-lhes implementar, de forma sistemática, práticas organizacionais justas, assegurando que todos os trabalhadores sejam tratados com igualdade e respeito. Com esse conhecimento, os gestores podem identificar e mitigar as fontes de sofrimento psíquico, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.
Portanto, ao adotar uma abordagem fundamentada na psicodinâmica do trabalho, os gestores não apenas melhoram o bem-estar psicológico e emocional dos trabalhadores, mas também contribuem para um aumento na produtividade e na lealdade à organização. Com base nos argumentos apresentados, a resposta à questão central deste artigo é afirmativa: sob o escopo da psicodinâmica do trabalho, é possível não sofrer no trabalho.
A aplicação desses conhecimentos permite criar políticas que reconhecem e valorizam de maneira justa tanto os esforços individuais quanto os sucessos coletivos, promovendo um ambiente propício ao desenvolvimento pessoal e profissional. Esse ambiente, pautado no mérito, proporciona, aos indivíduos, gozar de significado e propósito em suas atividades laborais, resultando em maior satisfação e engajamento em relação ao trabalho.