São sempre acalorados os debates sobre a gestão da política monetária no Brasil, principalmente porque sempre convivemos com juros básicos elevados e necessidades crescentes de financiamento do setor público. Explicações são várias e, às vezes, contraditórias, mas todas refletem os consideráveis sacrifícios sociais e econômicos necessários para honrar os pagamentos dos juros e encargos da dívida pública brasileira.
Em 2023, a dívida pública cresceu 570 bilhões de reais, ou seja, 9,6% de aumento, totalizando 6,25 trilhões de reais. No mesmo ano, as despesas com juros somaram 718 bilhões de reais, o equivalente a 6,6% do PIB. Esses números são impressionantes, mas as recentes reduções na taxa Selic parecem trazer uma nova esperança de mudança de rumo. Após sete cortes consecutivos iniciados em agosto de 2023, o Comitê de Política Monetária fixou a Selic em 10,50% ao ano. Mas essas esperanças são críveis?
Embora os impactos da Selic nas finanças públicas sejam conhecidos, responder a essa pergunta requer uma compreensão detalhada das dinâmicas envolvidas, que podem desanimar até os mais otimistas. É essencial revisitar a fusão dos mercados monetário e de dívida pública, um legado do período hiperinflacionário brasileiro, que vinculou profundamente as ações do Banco Central e do Tesouro Nacional. O Banco Central não apenas define a taxa de juros que remunera os títulos da dívida pública, mas também utiliza essa taxa como referência ao operar no mercado de reservas bancárias, onde mais de 70% dos títulos públicos estão nas mãos de bancos e fundos de investimento.
A pressão pela manutenção da taxa Selic em patamares mais elevados é notória, mas essa discussão ganha contornos mais interessantes quando analisamos mais de perto o perfil da dívida brasileira. Aproximadamente 40% da dívida pública é composta por títulos pós-fixados indexados à Selic, o que gera um efeito de carregamento expressivo. Esse perfil de curto prazo compromete a eficácia da política monetária ao corroer o efeito renda, não necessariamente contraindo a demanda conforme esperado. Para manter sua credibilidade junto ao mercado e reduzir eventuais expectativas inflacionárias, a autoridade monetária acaba promovendo alterações mais significativas na Selic na tentativa de convergir a inflação para a meta.
A competição entre setor público e privado pela poupança nacional se intensifica com uma Selic mais alta, levando bancos e instituições financeiras a direcionarem suas reservas para investimentos de alta liquidez e baixo risco, resultando em taxas de juros elevadas para o público. Em um contexto em que a maioria das famílias está endividada e uma parcela significativa enfrenta inadimplência, a restrição ao crédito barato impacta diretamente a dinâmica econômica.
Essa discussão ressalta a indexação significativa da dívida a títulos pós-fixados corrigidos pela Selic, o que implica que mesmo com a redução da Selic, os encargos sobre o estoque da dívida permanecem substanciais, resultando em uma drenagem contínua dos recursos públicos. Do valor total gasto com pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal, aproximadamente 85% tiveram como origem novas emissões de títulos públicos, reforçando o ciclo vicioso da dívida. Os 15% restantes, provenientes de outras receitas, necessariamente deixaram de aplicados em áreas com maior retorno social.
O objetivo desta análise não é ignorar os fatos conhecidos sobre a política monetária nem justificar irresponsabilidades fiscais, mas sim alertar para a necessidade de cuidados com argumentos que promovem ajustes econômicos seletivos, como rigoroso ajuste fiscal, cortes de gastos e investimentos públicos, privatizações e aumentos tributários. Apesar dos efeitos distributivos favoráveis da recente redução da Selic, não é realista esperar que a política monetária, por si só, possa criar condições favoráveis ao crescimento econômico sustentável a longo prazo. Uma revisão estrutural da dívida pública pode ser necessária para financiar investimentos que promovam o desenvolvimento socioeconômico.