O governador Renato Casagrande (PSB) por vezes se esquece que seu partido integra a ampla coligação de forças políticas que elegeu e exerce o governo liderado pelo presidente Lula (PT). Que o vice-presidente Geraldo Alckmin não seja um quadro histórico do PSB é de conhecimento até do reino mineral. Mas Alckmin se filiou ao PSB para disputar as eleições de 2022 junto com Lula, viabilizando a ampla aliança e, portanto, o mercado espera mais lealdade política do governador capixaba em relação a esse grupo.
A entrevista de Casagrande ao jornal O Estado de S. Paulo do dia 16 foi de acordo com a linha editorial da centenária publicação paulistana. Casagrande repetiu a gramática que o periódico adotou juntamente com toda a mídia corporativa brasileira nos últimos meses. Essa se baseia numa repetição do credo neoliberal da louvação ao fiscalismo como divindade suprema e finalística do Estado, mesmo que isso se materialize através do desmonte de parte substancial de todo o seu aparato em nome de uma suposta “eficiência” e “racionalidade”.
Casagrande é um político exitoso, que começou sua vida política no Partido Comunista do Brasil, e teve uma ascensão eleitoral meteórica na vida capixaba. Deputado estadual pelo PSB eleito em 1989, nas eleições seguintes, de 1994, disputou, como vice-governador do então petista Vitor Buaiz, o Poder Executivo estadual, e venceu.
A partir daí, com um brevíssimo período sem mandato de quatro anos, sempre despontou como um político de destaque do campo da centro-esquerda.
Três vezes eleito governador do Espírito Santo, vem se revezando no comando do Estado com Paulo Hartung (sem partido) desde 2003, um ciclo a ser encerrado em 2026. Seu terceiro governo, iniciado em 2023, se estrutura sobre uma base política conservadora e altamente pragmática, a começar pelo seu próprio partido, o PSB, hoje totalmente tomado por essa forma de se fazer política. Sendo assim, ao afirmar ao Estado de S. Paulo que “Lula não precisa de uma agenda de esquerda, mas de pragmatismo”, Casagrande parece querer aconselhar o presidente da República a como agir, partindo de sua própria experiência.
O governador, entretanto, se esquece que Lula, um político social-democrata e dono de uma habilidade conciliadora das mais hábeis, é um mestre na arte da qual é um iniciante. Há, entretanto, uma diferença fundamental entre ambos, e esta não está ligada ao cargo que cada um ocupa, e sim à origem social de ambos. Casagrande é um típico filho das famílias de pequenos agricultores do interior capixaba, enquanto Lula é um retirante pernambucano, que se mudou para São Paulo em busca de condições de vida.
Casagrande teve condições de estudar em uma boa universidade, a Federal de Viçosa, enquanto Lula fez apenas o curso de torneiro mecânico. Há uma diferença de classes entre ambos, o que não representa, entretanto, obstáculo algum para que, politicamente, ambos possam, e devam, agir juntos na construção do desenvolvimento do Brasil e da justiça social.
Mas Casagrande, já se preparando para novos voos políticos, provavelmente senador pelo Espírito Santo, bem avaliado e dono de um considerável capital político, apoiado por largos extratos conservadores capixabas, está se sentindo em condições de opinar de forma crítica sobre a condução do governo federal. Uma postura bem diferente daquela que é, de fato, a liderança com maior futuro dentro do PSB, o atual Prefeito de Recife, João Campos.
Casagrande nutre para com Lula e o PT uma relação cheia de contradições e não perde a oportunidade de se afirmar como a grande liderança do campo de centro-esquerda capixaba, apesar de estar bastante afastado do mesmo na prática. Tanto Casagrande, como Hartung, desde 2003, mantiveram o PT capixaba como um partido auxiliar de seus projetos políticos, e tão só.
Concessões foram feitas, acordos foram feitos e cumpridos, mas jamais deram ao partido de Lula uma dimensão maior no jogo de poder capixaba. Aliás, pelo caráter aliancista e adesista do PT local, nem o partido e suas principais lideranças parecem ter almejado tal espaço, vide as permanentes concessões e desistências em favor dos desejos políticos de Casagrande e de Hartung ao longo de todos esses anos.
A entrevista ao Estadão, nesse sentido, foi mais uma peça no sentido de fazer Casagrande conhecido do Brasil, um problema crônico que aflige os governadores dos Estados periféricos brasileiros desde sempre. Pela posição oposicionista que o jornal vem adotando, Casagrande deu azo à linha editorial, alfinetando o presidente, cujo vice é seu aliado partidário, em um esforço inócuo.
Casagrande e o Estadão desconhecem o histórico dos governos Lula, seu férreo conservadorismo fiscal, quebrado, apenas, em momentos em que os investimentos públicos se fazem necessários como forma de manter viva a economia e a sociedade brasileira, como no decorrer da crise financeira de 2008 e da crise que atinge o Estado do Rio Grande do Sul. Nem o jornal, nem o governador, tocam nos principais sangradouros do orçamento público brasileiro, o custeio da dívida interna, do qual a taxa Selic elevada é o principal insumo, e a monumental renúncia fiscal, criticada de forma áspera pela totalidade dos Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), quando da análise das contas do governo federal referentes ao exercício de 2023.
Preferem o argumento raso, mas de fácil aceitação, pois incutido diuturnamente como narrativa, de que o se precisa fazer cortes nas contas públicas. Cortes, como sempre, nas áreas sociais, mas jamais nos benefícios que pequenos grupos sociais e econômicos se valem para se enriquecer e consolidar todo um conjunto insuportável de privilégios que, na verdade, remontam aos tempos da formação do Brasil, em 1500.