“O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás, a luz, o telefone, a sonegação do leite, da carne, do açúcar, do pão”, avisou o poeta Ferreira Gullar em seu poema “não há vagas”, publicado em 1976. Mas o que isso quer dizer? Que o preço do arroz, do feijão, do gás, da luz e da carne não são artísticos ou sujeitos à subjetividade como um poema. O preço do arroz é definido inclusive por políticas públicas, cálculos exatos, vontade política de alimentar ou não uma população.
Dado o cenário de calamidade do Rio Grande do Sul, que é o maior produtor de arroz do Brasil, o cidadão já se encontra alarmado com medo de alta no preço deste item da cesta básica tradicionalíssimo no almoço brasileiro. Em Cachoeiro e Guarapari, os supermercados já estão colocando cartazes para que cada pessoa compre apenas um saco de arroz.
Nessa quarta-feira (8), segundo informações do jornal O Globo, o Governo Federal liberou a compra de 1 milhão de toneladas de arroz. A medida tem por intenção regular o preço do produto em território nacional.
O professor do Ifes Rodrigo Medeiros explicou que a tragédia pode, sim, impactar no preço do arroz, mas que precisamos ter cuidado com o tom alarmista porque ainda vamos ver os efeitos da importação que vem sendo liberada pelo Governo Federal. Um exemplo é a tragédia das enchentes no Sul do ES (continua tendo comunidades impactadas e precisando de ajuda), que impactou pouco no preço do café, produzido em larga escala na região.
Mas o que o governo poderia fazer para regular o preço dos alimentos como o arroz? Uma coisa que já existe e foi lembrada por Medeiros é a política de armazenamento dos alimentos da cesta básica. Essa política, capitaneada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foi descontinuada nos governos Temer e Bolsonaro.
Para se ter ideia, em 2020 o portal Uol fez um levantamento dando conta de que, em 10 anos, os estoques de arroz pelo governo foram reduzidos em 99%. Os números de armazenagem chegam ao seu ápice em 2012 e começaram a cair no mesmo ano, ainda sob o governo Dilma. A partir de 2016 (ano do impeachment de Dilma e início do governo Temer), os estoques de todos os alimentos diminuíram drasticamente.
No ano passado, o governo Lula anunciou a retomada da política de armazenagem de alimentos, no final de junho. O governo entende que a estratégia garante o preço mínimo do produto e a renda do agricultor, além de regular o abastecimento interno, o que diminui as variações de preços.
A aquisição foi autorizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e está prevista na Política de Garantia de Preços Mínimos. O objetivo do governo federal é apoiar os produtores rurais, os agricultores familiares e as cooperativas agrícolas, justamente quando o preço de mercado do produto se apresenta inferior ao preço mínimo estabelecido para a safra vigente.
Durante o governo bolsonaro, a justificativa para descontinuidade da política de armazenamento era o alto custo de manutenção dos armazéns. A consequência foi uma disparada de preços na cesta básica.
Em abril, a cesta básica aumentou em 10 das 17 capitais pesquisadas mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), inclusive Vitória e Porto Alegre, segundo dados divulgados pelo órgão nesta terça (7). Em maio, vamos ver se teremos novos aumentos ou se o armazenamento e a compra de arroz vão trazer resultados para a mesa do brasileiro.