A dita Nova República foi fundada pela promulgação da Constituição Federal de 1988 e materializou a decisão de uma transformação radical na estrutura institucional brasileira como meio de viabilizar as igualmente radicais (e necessárias) mudanças sociais que a população brasileira exigia após 21 anos de uma ditadura que assolou o país nas mais diversas áreas.
“Ódio e nojo” foram as palavras utilizadas pelo Dr. Ulisses para definir aquele tempo autoritário e apresentar ao país a superação daquele triste período. Estamos falando da tortura como método de perseguição de opositores, da censura da imprensa, da academia e das artes como meio de interditar a vocalização do descontentamento popular e da corrupção desenfreada pela ausência de controle social.
Dito isso, soa bizarro e paradoxal que tenhamos elegido em 2018 um presidente que glorificava o governo de exceção e se esforçou por quatro anos para devolver o Brasil à mesma situação de desmonte civilizatório que seus ídolos do passado, chegando ao extremo de convocar os comandantes das forças armadas para subverter o resultado desfavorável das urnas e abolir o estado democrático de direito.
A bem da verdade, a derrota desse projeto autoritário se deu com muita resistência social e institucional, além de uma apertada vantagem eleitoral, demandando reflexões de todos que se posicionam do lado certo da história. Como virar definitivamente a página do fascismo? Não há aqui resposta simples, mas é certo que a transição para a democracia foi possibilitada por um arranjo político que incluiu a anistia aos agentes públicos violadores de direitos e uma espécie de omertà que limitava o debate público visando evitar ferir as suscetibilidades da caserna. No entanto, a angústia de enfrentar esse debate difícil não pode ser justificativa para evitá-lo.
Nessa linha, a decisão do governo de proibir (em seu âmbito) a realização de eventos alusivos aos 60 anos do golpe militar é um erro grave! Especialmente porque interdita o debate apenas para aqueles que o repudiam e agem para informar e refletir sobre caminhos para evitar arroubos antidemocráticos. Nos quarteis do Exército Brasileiro, os comandantes continuarão realizando a tradição anual de palestrar para a tropa sobre a importância do que chamam de “contrarrevolução democrática”, glorificando torturadores e relativizando a democracia.
Define-se por crise o momento de transição paradigmática em que o “velho” ainda não caiu e o “novo” ainda não se consolidou. A Alemanha pós-nazismo criminalizou esse tipo de manifestação por não admitir a relativização do horror daqueles tempos. Por aqui, permitiu-se a realização de acampamentos golpistas na porta de quartéis, culminando na tentativa de um novo golpe de estado. Iremos proibir manifestações de repúdio ao golpe de 1964? Já vimos esse filme. Spoiler: a gente morre no final.