Confirmando a máxima da política no período imperial, eternizada pelo historiador José Murilo de Carvalho, a sucessão para a Prefeitura de Vitória se processa como a representação de um teatro das sombras, no qual, historicamente, e de forma contínua os mesmos personagens se alternam ou se se reapresentam no proscênio como atores principais. Ontem, dia 4 de junho, as forças políticas de centro, centro-direita e direita, reunidas na federação PSDB/Cidadania, PSB, União Brasil, PSD e MDB anunciaram, com pompa e circunstância, a candidatura do ex-prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas (Federação PSDB/Cidadania), que já governou a capital entre 1997 e 2004, como seu candidato ao posto de chefe do Executivo municipal.
Com portas fechadas, seguindo os moldes das articulações políticas clássicas, da qual participam apenas as lideranças dos diversos grupos, um conjunto de homens, de idades variadas, aceitou a renúncia do deputado estadual Fabrício Gandini (PSD) a sua pretensão de ser o candidato desse pacto político.
A decisão de Gandini, um político que tenta se reinventar, não causou nenhum espanto no mercado político, apenas confirmou um cálculo que A Vírgula já havia exposto ainda no mês de maio. Esse concerto de partidos se formou com as bênçãos do governador Renato Casagrande (PSB), que se valeu de um de seus mais fiéis aliados, o deputado Tyago Hoffmann (PSB), para se fazer presente em todas as negociações que concluíram, ontem, na montagem da cabeça de chapa que irão submeter à cidade de Vitória para ocupar sua Prefeitura entre 2025 e 2028.
A união desse concerto de partidos e forças políticas, de variadas colorações ideológicas, se alicerça sobre dois pilares. O primeiro, é o de criar uma narrativa de que há uma terceira via viável em Vitória, frente àquelas declaradamente de direita, de extrema-direita, de centro-esquerda e de esquerda, representadas, respectivamente, pelo atual prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), pelo o estadual Capitão Assumção (PL), o deputado estadual e ex-prefeito João Coser (PT) e pela deputada estadual Camila Valadão (PSOL).
Como se vê, a ideia de uma candidatura de centro, ao menos em Vitória, nasce, conceitualmente, comprometida, na razão exata da imbricação ideológica e de interesses políticos entre integrantes desse concerto em torno de Luiz Paulo, majoritariamente formado por grupos e forças políticas de matriz conservadora. O segundo alicerce, ocultado dos olhos da maioria do eleitorado, é o desejo, que une esse concerto partidário e político, a direita e a extrema-direita, de isolarem o PT. Essa é uma estratégia que tem raízes na ojeriza ao partido, no recalque pelo mesmo comandar, pela quinta vez neste século, o Executivo federal; na necessidade de manutenção ou renovação de oligarquias e na busca desesperada por espaços políticos por parte das suas lideranças. Como um espectro, esse cenário é rondado pela sucessão de Casagrande em 2026. Esse fato já move de forma intensa o mercado político capixaba e suas lideranças, antigas e novas, ao menos no que diz respeito à faixa etária, mas jamais no modo de se comportar e de fazer política.
Esse concerto político e partidário, ao firmar-se no nome de Luiz Paulo, afunila um pouco mais o plantel de candidatos ao Palácio Jerônimo Monteiro, sede da Prefeitura. Aguarda-se, para um futuro não muito distante, a adesão do Podemos a esse concerto, movido pelo pragmatismo e pelo interesse do partido em participar da vida política da capital em uma posição de maior destaque, saindo da periferia do quadro político onde hoje se encontra na capital. A pré-candidatura da Capitã Estéfane, atual vice-prefeita, nunca foi levada a sério pelo mercado político de Vitória.
O presidente estadual do Podemos, deputado federal Gilson Daniel, como já analisado por A Vírgula, deseja um lugar entre os atores desse teatro das sombras. Assim, espera obter uma maior visibilidade como dirigente político de um partido que, localmente, tem um futuro incerto em razão da sua própria estruturação. O Podemos é dividido em blocos comandados, de forma férrea, por Daniel e pelo Prefeito de Vila Velha e candidato à reeleição, Arnaldinho Borgo, aliado ao deputado federal Vitor Linhalis. O terceiro bloco dentro do Podemos capixaba deixa de existir com a desfiliação do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos, que está a ponto de ser consumada.
Marcelo, especula-se, está se articulando para disputar um cargo majoritário em 2026, e seus movimentos como Presidente da Assembleia, bem como o seu controle absoluto sobre o PRD, e sua sociedade com o deputado estadual Hudson Leal (Republicanos) no controle do Solidariedade, só corroboram as suspeitas que ele próprio faz questão de plantar, ainda que as negue de forma peremptória, algo bem próprio da política no teatro das sombras. Nesse teatro, o elenco e o scripit do espetáculo são definidos em lugares bem distantes daquele onde se localizam as massas, a elas restando, apenas, o papel de serem base para os sonhos e os projetos políticos, pessoais e coletivos, que lhe são apresentados.
Um outro fator deve ser considerado por todos os partidos e grupos políticos que disputam a PMV este ano. A totalidade das pesquisas eleitorais divulgadas até o momento, asseguram à direita e à extrema-direita, juntas, mais da metade das intenções de voto do eleitorado da capital. As candidaturas apresentadas em oposição a Pazolini, que na pesquisa do Instituto Paraná, contratado pelo Grupo Bandeirantes de Comunicações, está a poucos pontos de obter a vitória no primeiro turno, pulverizam o eleitorado de oposição. Ao mesmo tempo em que tentam capturar na base de eleitorado do atual prefeito, as frações políticas de imaginário conservador e liberal, uma aposta arriscada, mas que consideram essencial para que se estabeleça uma disputa na capital, e não uma homologação da candidatura do atual prefeito no primeiro turno.
O prefeito Pazolini tem a seu favor mais os deméritos de seus adversários do que seus próprios méritos. Durante três anos e cinco meses governou a capital sem uma consistente oposição legislativa e, muito menos, sem que a sociedade civil o pressionasse de forma incisiva. Está indo para a campanha comandando um considerável plantel de obras e de investimentos realizados, todos, nos dois últimos anos de seu mandato atual. Uma fórmula clássica das administrações de comportamento conservador em todo o Brasil. Pazolini, assumidamente um político de direita e conservador, navegou tranquilo por toda a quadra histórica de seu governo, ao menos até o momento. Esse fato lhe permite desfrutar, até agora, de uma zona de conforto bastante considerável.
Pazolini e o seu partido, o Republicanos, se beneficiaram, também, do apoio da maioria dos aliados do ex-governador Paulo Hartung (sem partido), que foram sendo absorvidos pela máquina pública para desempenharem funções das mais diversas. Essas pessoas ligadas historicamente a Hartung, e não são poucas, encontram-se dispersas por poucos partidos, mas controlam áreas importantes do governo municipal, e nelas pretendem permanecer por mais 4 anos. Hartung, oficialmente, como é de seu feitio de grande dissimulador e de cultor da dúvida e da cizânia no seio da classe política que deseja controlar, mantem-se, oficialmente, distante de todo o jogo _“só que não”.
Casagrande e Hartung são dois quadros políticos experientes, ambos oriundos de partidos de esquerda clandestina, PCdoB e PCB, respectivamente, e que nasceram para a política estadual ainda nas três últimas décadas do século passado. Ambos cultuam seus traumas e rancores, que não se cansam de demonstrar, de forma pública ou não, em inúmeros episódios. Há uma grande semelhança entre ambos, que se distanciaram em razão da disputa sobre quem iria controlar a classe política e, principalmente, a interlocução com os grandes grupos econômicos, principais interlocutores do Governo do Estado do Espírito Santo desde sempre.
Ambos são mestres nos jogos da política, e ambos souberam tornar o PT e outras legendas de diversos campos políticos, vassalos de seus respectivos projetos de poder. Isso empobreceu, de forma proposital, o debate público no Espírito Santo nesse longo período iniciado em 2003 e que só terminará em 2026, com a saída de Casagrande do governo. Mas foi uma estratégia exitosa, que concentrou em ambos o protagonismo na cena estadual, silenciando ou sufocando outras lideranças que ensaiaram nascer e se firmar no período. Nas eleições de Vitória, em particular, ambos estão articulando as peças do jogo, direta ou indiretamente, mantendo sequestrados à sua vontade o destino dos demais grupos ou partidos políticos. Querem que as eleições ocorram sem traumas, sem grandes rupturas, de forma a que, a partir de 2027, o novo ocupante do Palácio Anchieta mantenha intacta a estratégia que operaram com proverbial competência, jogando de forma bruta contra quem a ela se opusesse.
Vitória, portanto, é um microcosmo de toda a política capixaba e da sucessão do governo, em 2026, razão pela qual, apesar da perda de protagonismo político, social e econômico da capital ao longo dos últimos anos, a eleição de seu Prefeito merece tanta atenção e esforço para que nada mude, para que tudo permaneça como está. Uma nota especial: o ex-deputado estadual Sérgio Majeski, pré-candidato a Prefeito pelo PDT, por mais que seja negado, encontra-se em uma situação similar a de Coser, isolado no sentido de estabelecimento de alianças para além de sua legenda. O mercado especula sobre o futuro da candidatura de Majeski, se ela se consumará ou não, cabendo ao líder, e controlador do PDT, o atual prefeito da Serra, Sérgio Vidigal, aliado próximo de Casagrande, a palavra final sobre o futuro do projeto do ex-deputado e geógrafo.
As cartas do jogo, em Vitória, portanto, já estão na mesa, manuseadas, nas sombras, ou a luz, por mãos ansiosas de verem exitosos seus interesses, mesmo que para tanto sejam, no decorrer da campanha, deslocados de sua posição inicial para outra, que não desejariam estar, ao menos em princípio. Mas, desde 2018, com a vitória da candidatura de Jair Bolsonaro (PL) para a Presidência da República, a dinâmica política brasileira vem espancando os acordos desse teatro de sombras, movendo contra o mesmo a força das paixões, das narrativas e de uma disfunção cognitiva que cria uma realidade paralela, capaz de absorver o eleitorado e, por instinto de sobrevivência, a própria classe política, que não se furtará, para sobreviver, em seguir o fluxo de suas bases eleitorais, na vã esperança de que poderão manter sobre ela uma relação de liderança. Isso não funcionou em 2018, e, também, em 2022, mas os grupos e partidos políticos de centro, de centro-direita e de direita insistem, por autoafirmação de seu autoprojetado potencial e pela sobrevida de suas lideranças, nessa postura. Aguardemos os próximos lances desse jogo na disputa pela PMV.
Aviso aos espectadores desse espetáculo: Esta análise foi publicada e escrita antes do anúncio púbico de desistência de candidatura do ex-deputado estadual Sérgio Majeski. Fica agora a dúvida sobre qual a posição a ser tomada pelo PDT e pelo próprio Majeski no cenário político-eleitoral de Vitória