Vitória é a sexta capital estadual menos desigual do país, segundo dados do Mapa da Desigualdade, produzido pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) e divulgado nessa quarta, 26. O estudo se inspira no Mapa da Desigualdade de São Paulo, publicado há mais de dez anos pelo próprio ICS, e pela Rede Nossa São Paulo.
O comparativo, algo cada vez mais comum nos tempos atuais, se baseia na observação de 40 indicadores sociais para sua elaboração. Dentre eles se destacam o atendimento por sistemas de esgotamento sanitário, domicílios em favelas, nível de escolaridade, faixa etária média da população e pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza.
Esse tipo de levantamento, ainda que louvável, deve ser observado com alguma cautela, haja vista que toma como dado em si a existência – ou não – e a qualidade de determinados serviços nos aglomerados urbanos. Devem ser objeto de atenção, também, os próprios índices da confecção do Mapa, bem como o necessário cotejamento entre as distintas e díspares realidades analisadas, levando-se em consideração as desigualdades regionais e os indicadores gerais de atividade econômica e de distribuição de riqueza e renda de cada área deste imenso e complexo país.
A simples existência dos levantamentos é louvável, mas nos tempos atuais, onde impera uma cobrança cada vez mais crescente da população por qualidade e universalidade de serviços, é preciso que os números sejam devidamente transformados em dados importantes de serem mensurados.
Não basta uma cidade estar dotada de um serviço público: este precisa ter qualidade e atingir um número cada vez maior de habitantes, ao mesmo tempo em que deve possuir a necessária capacidade de estar além das demandas dos habitantes originais, levando em consideração todo o fluxo de pessoas que transitam, por várias motivações, o espaço da pólis todos os dias.
Nos concentrando nos dados do Mapa da Desigualdade, é meritório o fato de a cidade de Vitória já despontar em uma posição tão favorável no levantamento feito, à frente de capitais como Porto Alegre – 8ª posição; Rio de Janeiro – 11º posição; Goiânia – 9ª posição; Salvador – 17ª posição; e Recife – 25ª posição. À frente de Vitória, pela ordem, apenas Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte, Palmas e São Paulo.
Vitória é uma cidade com uma população de 365.855, segundo dados de 2022 do IBGE. No ranking das seis primeiras, sua população é a quinta menor, só perdendo para Palmas, capital do Estado de Tocantins, uma cidade planejada, inaugurada em 1989. Vitória tem sua fundação oficialmente aceita no ano de 1551, no início da conquista colonial do Brasil por Portugal. Esses três dados, população, planejamento e ano de fundação, dizem muito a respeito dos índices analisados pelo ICS em seu Mapa da Desigualdade. Vitória nasceu e cresceu no contexto de desordenamento que caracterizou a maioria das cidades brasileiras, especialmente aquelas do primeiro século de existência da colônia, o 16.
As grandes transformações de Vitória, a qualificação da cidade como um lugar com condições adequadas de habitabilidade, data do final do século 19 e do início do século 20. Já sob o regime republicano, Moniz Freire, então presidente do Estado – era assim que se denominavam os governadores -, começa o processo de “capitalização” de Vitória, a sua transformação, de fato, na capital do Estado, no ponto central para onde passariam a convergir as forças vivas e os negócios neste território.
Obras de melhoria e embelezamento, seguindo os padrões da época, totalmente inspirados nas cidades da Europa, foram lentamente alterando o perfil da cidade. A penúria dos anos anteriores, bem como a precariedade ou inexistência dos serviços públicos, vão sendo pouco a pouco transformadas. É o início de um “ciclo virtuoso” de gestões da cidade, quer pelo próprio governo estadual, quer por sua prefeitura em parceria com outros poderes. Esse processo se consolida com Jerônimo Monteiro (1908-1912), gerando um ímpeto irresistível de transformações da cidade, que vai sendo objeto de intervenções no sentido de torná-la mais atraente para novas populações e para o estabelecimento de uma economia vibrante, de transformação e voltada para o comércio com o exterior e outros estados.
A questão social, materializada em obras e serviços que atendam a população em suas necessidades mais prementes de existência, como saúde, saneamento e educação, ganham um impulso irresistível a partir dos anos 1970, bem como as grandes intervenções destinadas a melhorar a infraestrutura viária da cidade, preparando-a para os impactos dos grandes projetos industriais que, à época, se implantavam nos municípios vizinhos que hoje integram a Região Metropolitana.
O ápice desse processo, no qual se aliam as necessárias obras de infraestrutura àquelas de construção de uma extensa capilaridade de serviços públicos nas áreas sociais, ocorre a partir do governo do prefeito Hermes Laranja (1986-1988), seguido depois pelos de Vitor Buaiz, Paulo Hartung, Luiz Paulo Vellozo Lucas, João Coser, Luciano Rezende até o atual, Lorenzo Pazolini. Criou-se, a partir de Moniz Freire, um padrão de melhoria constante da cidade, e de ampliação de sua rede de serviços. Já a qualidade dos mesmos variou conforme a gestão do poder público e de suas opções políticas.
No período entre Hermes Laranja e João Coser, a cidade se concentrou na recuperação das áreas ambientais degradadas em virtude de seu rápido crescimento a partir da década de 1970, na expansão dos serviços de abastecimento de água, na implantação do ainda incipiente sistema de coleta e tratamento de esgotos, na urbanização de áreas ocupadas irregularmente nos manguezais e encostas na expansão dos serviços de educação e na estruturação de uma sólida rede de assistência social e atenção à saúde. O Poder Público entendeu necessário o investimento nessas áreas, e para elas destinou vultosos recursos, melhorando, de forma considerável, as condições de vida da população como um todo.
Mesmo nas crises econômicas do país e do mundo ao longo dos últimos quarenta anos, Vitória não deixou de investir na melhoria dos serviços e na universalização e qualidade dos mesmos. Esse se tornou um padrão de governo que tomou o imaginário do habitante da cidade, que passou a exigir do poder público a continuidade de políticas e de investimentos com esse objetivo. Uma das grandes deficiências de Vitória, e isso atestam as pesquisas realizadas, reside, de alguns poucos anos para cá, na queda da qualidade dos serviços e na perda da diretriz de sua universalização.
Vitória precisa, e deve, como qualquer outra cidade, estar em permanente transformação para melhor. É o desejo da população e uma exigência histórica de requalificação da cidade que vem se alterando de forma permanente. São os desafios que se apresentam para a Capital, e ela terá que enfrentá-los, numa sinergia que a refirma viva e desejosa de um futuro cada vez melhor.